Muito se tem discutido atualmente sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº. 37/2011 – PEC 37, que objetiva garantir às polícias judiciárias a exclusividade das apurações envolvendo infrações criminais.
Divulgada em meio a uma onda de protestos que explodiram no Brasil em combate à corrupção, a PEC 37 foi maliciosamente intitulada pelos instrumentos midiáticos e pelo Ministério Público como a “PEC da Impunidade”, fazendo com que inúmeros internautas passassem a compartilhar informações equivocadas a respeito do aludido projeto nas redes sociais.
Apesar do discurso maniqueísta que se tenta incutir no senso comum, no sentido de que somente os “corruptos” e os “bandidos” defendem a PEC 37 enquanto os “probos” e “virtuosos” a combatem, diversos juristas de renome e instituições idôneas têm se posicionado a favor da aprovação do referido projeto pelo Congresso Nacional.
Em parecer emitido em apoio à PEC 37, explicou o preclaro jurisconsulto Ives Gandra da Silva Martins[1]:
“A alegação de que o Ministério Público pode supervisionar as funções da policia não significa que possa substituir os delegados em suas funções típicas, razão pela qual, mesmo hoje, a meu ver, já não tem o “parquet” direito de subrogar-se nas funções de delegado, desempenhando as de parte e “juiz” ao mesmo tempo.”
Ao responder consulta feita pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, o eminente constitucionalista José Afonso da Silva posicionou-se no mesmo sentido[2]:
“Argumenta-se que a Constituição não deferiu à Polícia Judiciária o monopólio da investigação criminal. É verdade, mas as exceções estão expressas na própria Constituição e nenhuma delas contempla o Ministério Público. O próprio parágrafo 4º do artigo 144 ressalva a competência da União em contemplação da Polícia Judiciária Federal (art. 144, §1º) e exclui da competência da Policia Judiciária a apuração das infrações penais militares, em harmonia com o art. 124, com base no qual cabe a polícia judiciária militar, exercida por autoridades das corporações militares, a função de apuração dos crimes militares no âmbito de cada qual, por meio de inquérito policial militar”.
O magistrado paulista Guilherme de Souza Nucci[3], por sua vez, elucida:
“As pessoas estão confundindo as coisas. Ninguém quer privar o Ministério Público de fazer seu papel constitucional. Estão divulgando essa questão de uma forma maniqueísta: pode ou não pode investigar? O MP é bom ou é mau? Isso não existe, é infantil. Ninguém é criança, para achar que é o legal ou o não-legal, o bacana ou o não-bacana. O que a gente tem de pensar é o seguinte: o Ministério Público é o controlador da Polícia Judiciária. Está na Constituição Federal. A Polícia Judiciária, também de acordo com a Constituição Federal, é quem tem a atribuição da investigação criminal.”
A PEC 37 recebe o apoio inclusive de alguns membros do próprio Ministério Público, a exemplo do Procurador de Justiça do MPMG Márcio Luíz Chila Freyesleben[4], que esclarece:
Corporativismo às favas, o certo é que a PEC 37 coloca as coisas em seus devidos lugares: a função de polícia judiciária pertence à polícia. As pessoas, em geral, têm uma noção equivocada da atuação do Ministério Público, ao menos nesta questão. Elas estão acostumadas às notícias de que o MP denunciou fulano, beltrano e cicrano, em regra, políticos ou agentes públicos flagrados em promiscuidade com a coisa pública, e logo creditam ao Parquet os louros da façanha. Não sabem, no entanto, que as investigações que dão base às denúncias são realizadas pela polícia, por uma força-tarefa, por comissões de inquérito ou por uma CPI. Quando muito, o MP participou da investigação, acompanhando seus trabalhos. Será rara a hipótese em que o MP, de per si, inicia e termina uma investigação criminal. É que os crimes, principalmente aqueles perpetrados por quadrilhas organizadas, não são apurados sem boa perícia, vasta violação de sigilos e muito, muito trabalho de campo. O MP não possui, nem deveria possuir, estrutura para tal arte. Em caso tais, quando o MP assume a condução da investigação, fatalmente dependerá da polícia para lhe suprir as naturais deficiências. Por isso considero um ato de ignorância (desconhecimento) afirmar que a PEC 37 causará impunidade. Essa frase, que é repetida feito mantra, não condiz com os fatos tanto no que se refere à capacidade técnica de investigar, quanto à idoneidade de quem investiga. Basta que se passe em revista as Corregedorias do MP e o Conselho Nacional do Ministério Público para verificar que os paladinos da justiça cometem amiúde os mesmos desatinos e desvios de conduta que a média nacional, a contrariar a sua reputação de guardião inabalável da retidão brasílica.
No intuito de desmistificar o “monstro” criado pela imprensa e pelo Ministério Público e de combater as mentiras que têm sido erroneamente divulgadas nos meios de comunicação (principalmente na internet), seguem 10 (dez) motivos pelos quais a PEC 37 deve ser aprovada.
1. Não existe previsão constitucional do defendido “poder de investigar”
A PEC 37 não “retira” poderes de investigação do Ministério Público, pois não existe na Constituição Federal NENHUM DISPOSITIVO prevendo que o MP tenha poder investigativo. Ao revés, o próprio Texto Constitucional determina em seu artigo 144, § 4º que “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.
2. Nada será removido ou alterado no texto constitucional
A PEC 37 não remove NADA do texto da Constituição Federal. Ela apenas insere um parágrafo na Constituição (art. 144, § 10[5]) que reforça a (já existente) competência exclusiva das polícias judiciárias para apurar infrações penais;
3. O procedimento investigativo atualmente realizado pelo MP é ilegal
O procedimento investigativo atualmente conduzido pelo Ministério Público é ilegal e inconstitucional, pois é previsto EXCLUSIVAMENTE na Resolução 13 do Conseho Nacional do Ministério Público – CNMP, quando a própria Constituição determina em seu art. 22 que “compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, PENAL, PROCESSUAL, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. Ou seja, ele não é regulamentado nem pela norma adequada (lei) e nem pela Autoridade Legislativa competente (Congresso Nacional).
4. O “inquérito ministerial” ofende o Sistema Processual Acusatório
A investigação realizada pelo Ministério Público ofende o Sistema Processual Acusatório, no qual cada parte processual tem a sua função devidamente delineada (acusar, defender, julgar), sendo impossível por força deste sistema que o Órgão que acusa também investigue. A integridade deste modelo é imprescindível para a manutenção do Estado Democrático de Direito.
5. A investigação feita pelo Ministério Público não é imparcial
A polícia judiciária, de maneira neutra, investiga para ESCLARECER os fatos, sejam eles criminosos ou não. O MP, por sua vez, sendo um órgão essencialmente acusador, investiga para PRODUZIR PROVAS para futuro processo criminal.
6. O procedimento investigativo não respeita forma nem prazos previstos na Legislação Processual Penal
O inquérito ministerial não respeita os mesmos prazos nem a forma do inquérito conduzido pela Autoridade Policial, cujas etapas são devidamente previstas na Lei (Código de Processo Penal, Código de Processo Penal Militar, etc).
7. A investigação do MP é direcionada aos casos de repercussão midiática
Ao contrário das polícias judiciárias, o Ministério Público não investiga todas os tipos de fatos criminosos. Em geral, de maneira seletiva, somente os casos que atraem os holofotes dos meios de comunicação em massa são objeto dos “inquéritos ministeriais”.
8. Já existem projetos no sentido de conferir independência funcional aos Delegados de Polícia
Apesar de serem subordinados ao Poder Executivo, já existe uma PEC (PEC 293/2008) que objetiva garantir a independência funcional dos Delegados de Polícia (inamovibilidade, vitaliciedade, irredutibilidade salarial, etc), a qual também é garantida aos membros do Judiciário e do Ministério Público. Além do mais, entrou em vigor no dia 20.06.2013 a Lei 12.830/13 (antigo Projeto de Lei 132/2012), que impede a remoção imotivada de Delegados de Polícia das investigações por eles conduzidas.
9. A PEC 37 é apoiada por inúmeros estudiosos do Direito, inclusive de representantes do Ministério Público
A PEC 37 não é apoiada somente por “corruptos” ou pelos “bandidos” que a propuseram. Ela também recebe o apoio de inúmeros estudiosos do Direito, de professores, de juízes, de advogados, de defensores públicos, de delegados de polícia e até mesmo de membros do próprio Ministério Público, a exemplo do Procurador de Justiça mineiro Márcio Luís Chila Freyesleben.
10. O MP continuará podendo atuar ao longo da investigação criminal após a promulgação da PEC 37
Por fim, e mais importante, mesmo com a aprovação da PEC 37 o Ministério Público continuará podendo atuar no curso da investigação criminal realizada pela autoridade competente (polícia judiciária), seja requerendo diligências como parte (acusação) ou mesmo exercendo sua função constitucionalmente assegurada de Órgão Fiscalizatório.
Os 10 (dez) motivos acima explicitados são meramente exemplificativos e nem de longe esgotam o debate acerca do polêmico tema que envolve a PEC 37.
Salienta-se, em conclusão, que o objetivo desta lista é provocar a reflexão a respeito da PEC 37 no intuito de reduzir os efeitos negativos da terrível política de “Maria vai com as outras” que tem se disseminado nos ambientais virtuais, de modo que, conhecendo e analisando os argumentos favoráveis à PEC 37, as pessoas não sejam mais vítimas do discurso promovido pela mídia e pelo próprio Ministério Público, formando sua própria opinião sobre o assunto.
Deivid Willian dos Prazeres. Advogado criminalista. Formado pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Pós-graduando em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina – CESUSC. Contato: [email protected]
[1]Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/parecer-ives-gandra-pec-37-parecer.pdf. Acesso em 22 jun 2013.
[2] Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/parecer-jose-afonso-silva-pec-37.pdf. Acesso em 22 jun 2013.
[3] Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-abr-14/entrevista-guilherme-souza-nucci-juiz-substituto-tj-sao-paulo. Acesso em 22 jun 2013.
[4] Disponível em: http://wp.clicrbs.com.br/visor/2013/06/20/posicionamento-de-um-procurador-de-justica-sobre-a-pec37/?topo=67,2,18,,,77. Acesso em 22 jun 2013.
[5] O novo dispositivo possui a seguinte redação: Art. 144, § 10 – A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.