Com o advento da Lei n. 12.403 de 2011 (a Nova de Lei das Prisões Cautelares), ficou evidenciado em nosso Código de Processo Penal, em seus artigos 282, § 2º, e 311, um antigo problema (vestígio dos tempos ditatoriais), a decretação de ofício da prisão preventiva pelo Magistrado durante o decorrer do Processo Penal.
Dizem os artigos supracitados que:
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
[…]
§ 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.
[…]
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.
Aceita pela maioria dos nossos tribunais, esta decretação de ofício segue caminho contrário dos ditames constitucionais, e contra o sistema processual penal acusatório, no qual a polícia investiga; o Ministério Público acusa; o acusado se defende e o Juiz julga de acordo com as provas colhidas durante a instrução.
A violação da Constituição, permitida pelo Código de Processo Penal, esqueceu-se da teoria geral do direito e daquela famosa divisão entre Autor (Ministério Público), Réu (acusado) e Juiz (Estado), onde se encontra um dos mais importantes princípios constitucionais, o Princípio da Inércia, no qual o Juiz só pode agir no processo caso seja provocado por uma das partes (Autor ou Réu).
Além disso, lembra-se também que o Juiz é considerado imparcial durante todo o processo, devendo apenas analisar o que lhe é requerido, e não agir por impulso, pois “a imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz-instrutor (poderes investigatórios) ou, pior, quando ele assume uma postura inquisitória decretando – de ofício – a prisão preventiva” [1].
Deste modo, apesar de estar prevista no Código de Processo Penal, a decretação da prisão preventiva de ofício pelo magistrado, deve ser tratada como inconstitucional, como já vem fazendo o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em sua decisão, no HC 70016461592, da Relatoria do Des. Nereu Giacomolli, que afirma que a segregação cautelar decretada de ofício, fere frontalmente o sistema acusatório, sendo esta prática rejeitada pela Constituição Federal.
Por fim, ainda ressaltam-se as razões do Excelentíssimo Des. Nereu Giacomolli, no Habeas Corpus citado: “Após o advento da Constituição de 1988, a qual adotou o sistema acusatório, caracterizado, essencialmente, pela distinção entre as atividades de acusar e julgar; imparcialidade do juiz; contraditório e ampla defesa, motivação das decisões judiciais, livre convencimento motivado, entre tantas outras, totalmente descabida qualquer decretação ex offício. A acusação, nos termos do art. 129 do Constituição, está totalmente a cargo do Ministério Público, constituindo-se em ilegalidade a decretação de prisão de ofício”.
Neste contexto e pelas razões expostas, não há como considerar constitucional a decretação de ofício da prisão preventiva, pois possuidora de um caráter inquisitório, avesso ao sistema processual vigente e aos princípios constitucionais norteadores de um processo penal igualitário.