A manhã da última sexta-feira iniciou-se com imensa tristeza em razão do falecimento de um dos líderes mundiais de maior expressão do século, o prêmio Nobel da Paz de 1993, Nelson Mandela.
Formado em Direito, fundou o primeiro escritório de advocacia de negros da África do Sul.
Como advogado militante e ativista em favor dos direitos humanos, descobriu que a justiça pendia para os brancos e que as leis eram aplicadas com parcialidade.
Iniciou uma luta incansável contra o Apartheid, defendeu a igualdade e a dignidade de todo ser humano, mas acabou por ser preso em virtude de sua trajetória de combate à intolerância e à discriminação que assolava em seu país.
Apesar de ter permanecido preso por quase 30 (trinta) anos, nunca esmoreceu e, após conquistar a liberdade, foi responsável por unir a África do Sul e instituir a democracia naquela nação.
Esta inestimável perda para a humanidade nos traz a necessidade de profunda reflexão sobre nossos paradigmas atuais, pois passados 25 (vinte e cinco) anos da promulgação de nossa Constituição Federal, que instituiu o Estado Democrático de Direito, ainda hoje verificamos aqui um verdadeiro “apartheid” jurídico, em especial na seara criminal, onde nossas prisões estão entulhadas de detentos que, em sua maioria, são reconhecidos pela vergonhosa expressão dos 3 P’s (pobres, pretos e prostitutas).
Neste contexto, é preciso refletir seriamente sobre a verdadeira função do Direito Penal e, principalmente, sobre a seletividade do sistema prisional pátrio, a iniciar pela criminalização primária (produção da legislação penal), de cunho eminentemente patrimonialista, culminando na criminalização secundária, direcionada por uma cultura discriminatória que, ainda que inconscientemente, insiste conduzir nossas atitudes cotidianamente.
Nelson Mandela ficou preso por três décadas por tentar mostrar ao mundo o absurdo que é a intolerância e o preconceito racial.
Quanto tempo ainda será preciso para despertarmos e começarmos a transformar a cruel realidade que nos aflige?
Até quando vamos tolerar a violação dos direitos fundamentais do indivíduo e o descumprimento dos princípios constitucionais em nome da eficácia da justiça penal, sabidamente seletiva e excludente?
No Estado Democrático de Direito toda e qualquer desigualdade deve ser combatida e a garantia dos direitos individuais deve ser substancial, afastando-se, assim, pseudo justificativas retóricas, que servem apenas para manter o status quo.
Conquanto vivamos em num Estado de Direito, ainda hoje muitos de nossos dirigentes, em todos os níveis e poderes instituídos, incluindo o Judiciário, não se conscientizaram plenamente do dever-poder que lhes é atribuído e, assim, não cumprem suas obrigações constitucionais na efetiva concretização dos direitos individuais e sociais mínimos, o que contribui para o indesejado quadro de exclusão (Apartheid) que, infelizmente, se verifica em nossa sociedade.