[1] Denominada prosecutorial practice (prática de promotoria) ou the act of charging too much (o ato de cobrar muito) na prática implica em atribuir-se condutas ilícitas em demasia, provocando maior vulnerabilidade no acusado.
SUMÁRIO:
I – INTRODUÇÃO
II – ATUAÇÃO “ESTRATÉGICA” DOS AGENTES DA PERSECUÇÃO PENAL
III – REPERCUSSÃO DAS AÇÕES NA CONDIÇÃO DO INDIGITADO AUTOR DO CRIME
IV – REFLEXOS NAS TRAMITAÇÕES JUDICIAIS
V – OVERCHARGING COMO FORMA DE PUNIÇÃO ANTECIPADA E GARANTIA DE PUNIÇÃO FINAL
VI – EFEITOS IMEDIATOS E DE LONGO PRAZO
VII – RESPONSABILIDADES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E JUDICIÁRIO
VIII – CONCLUSÃO
IX – BIBLIOGRAFIA
I – INTRODUÇÃO
A necessidade de apresentar à população resultados condenatórios que demonstrem combate efetivo à impunidade, caso levada ao extremo pode dar ensejo à injustiça processual, com evidentes reflexos no resultado do processo e cumprimento de penas correspondente.
Esse comportamento não reflete a práxisda integralidade dos envolvidos com o sistema criminal de Justiça, visto existir comprometimento com os ideais de Justiça por parte da maioria dos profissionais e autoridades, tanto da atividade persecutória como dos que estão encarregados da apreciação e julgamento das causas criminais. Neles vê-se a obediência às normas penais e processuais penais, respeito e observância dos direitos e garantias assegurados pela Carta da República e a firme intenção de apurar os fatos e atribuir responsabilidades ou inocentar quem não tenha infringido a lei, tudo de acordo com o que advier da prova isentamente coletada.
Mas não se pode negar que a sanha punitivista atinge uma parcela dos operadores jurídicos, trazendo como resultado nefastas consequências.
Pode-se aventar que uma das inspirações seja o “Movimento da Lei e da Ordem”[1] e, avançando-se na concepção do “Direito Penal Máximo”[2], o “Direito Penal do Inimigo”, que assim pode ser aclarado:
Jakobs, por meio dessa denominação, procura traçar uma distinção entre um Direito Penal do Cidadão e um Direito Penal do Inimigo. O primeiro, em uma visão tradicional, garantista, com observância de todos os princípios fundamentais que lhe são pertinentes; o segundo, intitulado Direito Penal do Inimigo, seria um Direito Penal despreocupado com seus princípios fundamentais, pois que não estaríamos diante de cidadãos, mas sim de inimigos do Estado.
O raciocínio seria o de verdadeiro estado de guerra, razão pela qual, de acordo com Jakobs, numa guerra, as regras do jogo devem ser diferentes. O Direito Penal do Inimigo, conforme salienta Jakobs, já existe em nossas legislações, gostemos ou não disso, a exemplo do que ocorre no Brasil com a lei que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção de ações praticadas por organizações criminosas (Lei no 9.034, de 3 de maio de 1995).
[…]
Segundo Jakobs, o Direito penal do inimigo se caracteriza por três elementos: em primeiro lugar, se constata um amplo adiantamento da punibilidade, quer dizer, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência: o fato futuro), em lugar de – como é habitual – retrospectiva (ponto de referência: o fato cometido). Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionadamente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não é tida em conta para reduzir em correspondência a pena ameaçada. Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou, inclusive, suprimidas.[3]
Exemplifico: observa-se que principalmente desde a “Operação Lava Jato” se registram situações em que encarregados da persecução penal, nas esferas federal e estadual, adotam táticas que atingem diretamente às pessoas dos acusados, provocando imensas dificuldades em suas defesas – e mais que isso, afetando diretamente suas liberdades, seu equilíbrio emocional e a vida de suas famílias enquanto alvo de averiguação policial ou de ações penais.
A atuação de juízes também pode resvalar para o prejuízo aos indigitados autores de crime e, em conjunto com a ação mencionada pela polícia e/ou MP, pode ocasionar sequelas no campo do processo e vida pessoal, vindo a repercutir inclusive no âmbito da execução penal.
II – ATUAÇÃO “ESTRATÉGICA” DOS AGENTES DA PERSECUÇÃO PENAL
Para demonstrar quão danosa pode ser referida situação, tome-se como parâmetro a descoberta de possíveis atos ilícitos penais cometidos por determinada pessoa, sendo quanto a eles deflagradas as investigações correspondentes em multiplicidade. Todavia, ao invés de se proceder a concentração dos atos de averiguação em um só procedimento, de maneira seletiva e com engenhosidade faz-se a divisão em vários deles (aí justificando as diversas operações batizadas com nomes chamativos), com repercussões midiáticas, processuais e futuramente no tocante à imposição e cumprimento da eventual reprimenda.
No primeiro procedimento de perquisição, requerem-se diversas diligências como busca e apreensão, quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo fiscal, interceptação telefônica, informática e telemática, prisão temporária e posteriormente prisão preventiva, tudo sob a justificativa de cometimento de determinado(s) crime(s) e participação em associação ou organização criminosa.
Somente após a inauguração da ação penal correspondente é que se passa a dar andamento ou velocidade às demais investigações por possíveis fatos criminosos também cometidos em período concomitante, ainda que eles já fossem previamente conhecidos e já estivessem em condições de apuração desde o princípio. Isso se dá por maléfica estratégia, pois não se mostrava conveniente ao planejamento efetuado pela autoridade policial e/ou membro do Ministério Público dar impulso a esses atos. Tudo isso com o intuito final de permitir a repetição posterior, no bojo dessas “novas” investigações, de atos atinentes à fase pré-processual – incluindo-se aí os pedidos prisionais.
Prazo para finalizar a investigação? Pede-se a prorrogação. Prazo para apresentar a denúncia? Justifica-se o atraso.
Parece ficção, mas infelizmente não é. Veja-se, que no âmbito da antes mencionada operação houve o seccionamento em várias etapas, o que acabou sendo espelhado em inúmeros outros procedimentos nos âmbitos das Justiças Federal e Estadual.
E a atuação do Ministério Público à testa ou acompanhando os atos de investigação, perseguindo a efetivação de várias diligências perante o Poder Judiciário, como agindo na condição de responsável pela acusação destaca-se consideravelmente.
E por isso é relevante saber como se dá o exercício das funções pelos membros do Ministério Público no Brasil, o que é assim enunciado por Fábio Kerche:
O modelo italiano e brasileiro foi desenhado, pelo menos em teoria, para que os promotores tivessem pouca discricionariedade e baixa accountability, o que seria menos incomum em sistemas democráticos. No entanto, os integrantes de ambas instituições são, de facto (e de jure mais recentemente) atores discricionários. Como todas as escolhas institucionais, esta tem vantagens e desvantagens. Se, por um lado, os promotores são mais livres para processar políticos em casos de corrupção, por outro, a possibilidade de responsabilização dos próprios promotores para além do Poder Judiciário é bastante dificultada, para não dizer impossível. O modelo, incomum para democracias, se baseia mais no “acaso” do que em regras e incentivos institucionais. Ao cidadão resta poucas alternativas além de torcer para que os objetivos dos promotores coincidam com os seus.[4] (grifamos)
O bom uso da discricionariedade representa a independência pessoal e profissional do membro do MP, circunstância essencial ao seu bom e regular desempenho. Nesse mister é possível o exercício da atividade acobertado pelas regras vigentes, tendo-se em conta a busca de esclarecimentos e indicação de responsabilidades penais, mas sem o uso de meios inapropriados.
Contudo, não se pode negar a existência de quem abuse da discricionariedade para trabalhar com estratégia, com o uso de um modo de agir previamente determinado objetivando, ao final, a punição pelos crimes imputados custe o que custar, criando condições antes da sentença para a concretização da prisão cautelar, opondo diversos empecilhos à defesa do réu durante o curso das investigações e ações penais correspondentes.
O estabelecimento de diversos tipos de sigilo, alguns dos quais excluindo os advogados da ciência do contexto probatório, tornando-os reféns de provas desconhecidas, como bloqueando o conhecimento do que poderia vir em favor de seus defendidos, é outra questão que merece ser revista.
Dessarte não é raro obstaculizar-se o conhecimento de elementos probatórios, como se fosse admissível dar-se à autoridade policial ou ao órgão acusatório o direito de escolher o que poderia ou não interessar à defesa[5].
Tratando-se da utilização de estratégia, verifica-se na obra de Fabiana Alves Rodrigues, Juíza Federal Substituta da 10ª Vara Federal Criminal de São Paulo, a confirmação de utilização desse expediente, quando analisa a atuação havida na Operação Lava Jato:
USO ESTRATÉGICO DAS FERRAMENTAS PROCESSUAIS
A análise das denúncias e das decisões judiciais que autorizaram a deflagração das diferentes fases da Operação Lava Jato sugere que o núcleo de Curitiba adotou algumas estratégias de gestão das investigações e, em consequência, do fluxo de ações movidas pelo Ministério Público Federal. Em alguns casos, o próprio site da força-tarefa do MPF traz uma relação das ações judiciais que se seguiram à deflagração de cada fase da operação. Nos demais casos, a comparação entre os nomes dos investigados presos na fase ostensiva e daqueles que foram denunciados permitiu identificar uma correlação entre as operações e as respectivas ações criminais.
Os dados indicam que a estratégia adotada segue um fluxo que se inicia com a investigação e tem seu ápice na deflagração da fase ostensiva, quando muitas vezes ocorre a prisão preventiva de alguns investigados, seguida do ajuizamento da ação criminal depois de aproximadamente trinta dias, que correspondem ao prazo para conclusão do inquérito policial nos casos de investigado preso na Justiça Federal, previsto na Lei 5.010/1966 […] [6]
E a estratégia, quando direcionada a resultado específico e determinado decorrente de uma predisposição e preconceito, diga-se, não é compatível com a atuação de agentes do Estado, pois isso representa verdadeiro desvirtuamento de suas atividades, como muito bem adverte Lenio Streck:
Quero dizer, em poucas palavras, que advogados podem e devem fazer agir estratégico. É de sua função. Já juízes e membros do MP devem agir por princípios (o Direito é o fórum do princípio, diz Dworkin), porque são agentes políticos do Estado. Têm responsabilidade política. E devem acountabillity. Possuem garantias das mais variadas (sem similar no mundo) exatamente para que possam agir por princípios e não por políticas. Sim, porque se promotores podem agir como advogados, abrindo mão da imparcialidade, e os juízes podem se engajar nas causas (veja-se o perigo do ativismo), já não haverá agentes políticos estatais. Teremos uma privatização das relações processuais, enfim, uma babelização do processo. Eis a tempestade perfeita para o arbítrio.
Como registro final, sugiro que a doutrina e a operacionalidade fiquem atentas e utilizem esses dois entendimentos que asseguram, no modo como expliquei,a garantia da não surpresa institucional e da vedação do agir estratégico (tipo “os fins justificam os meios”). Denúncias criminais e decisões judiciais tomadas sem prognose surpreendem o indiciado-réu e o seu advogado. Mutatis, mutandis, isso é similar ao que Dworkin chama de leis de ocasião. No caso, as decisões fustigadas pelos dois ministros são exemplos de decisões de ocasião. Incompatíveis com o Estado Democrático, mesmo que alguém diga, nestes tempos duros e difíceis, que “direitos humanos são só para humanos direitos” e que “a terra é plana”. [7]
Justifica-se e aceita-se a separação de investigações e a proposição de ações penais diversificadas, quando a apuração dos fatos não puder ocorrer de forma simultânea, forem desconhecidas as ocorrências ou existam dificuldades de sua constatação no mesmo espaço de tempo. O que não é aceitável é propor-se a partição artificial, forçada, oportuna somente à pretensão acusatória, com objetivo de ocasionar maior gravame ao investigado/acusado.
Mas a “consciência” de que os meios podem ser utilizados de acordo com o interesse do Estado-acusador chega a situações inusitadas, como a havida em manifestação de um dos Procuradores Regionais da República envolvido na “Operação Lava Jato”, que se insurgiu contra o uso da faculdade de silenciar durante interrogatório – prerrogativa decorrente do direito de não produzir prova contra si próprio –, deixando de reconhecer a validade de garantia constitucional, inserida na Carta da República a quem deveria servir[8].
O uso de astúcia que consiste em manejar o momento de se usar um e outro caderno investigativo, dando causa à deflagração da ação penal enquanto outros têm tramitação alongada ou ficam em stand by, aptos a serem apresentados quando for interessante fazê-lo, é merecedor de críticas. Não se mostra comportamento adequado a quem está investido na condição de agente político[9].
III – REPERCUSSÃO DAS AÇÕES NA CONDIÇÃO
DO INDIGITADO AUTOR DO CRIME
Mas pode-se perguntar: no que isto impacta a situação do réu?
A resposta é que há sérias e diversas consequências:
O acusado hipotético pode ter tido contra si decretada a prisão temporária, posteriormente convertida em prisão preventiva, sofrer devassa em suas conversas telefônicas, arquivos de informática e telemática, quebra de sigilos fiscal e bancário, busca e apreensão[10], humilhação pública e julgamento antecipado da mídia e redes sociais, criando-se um cenário ideal para ser considerado um pária, um bandido, um celerado, conceito cuja desconstrução será de difícil – quando não impossível – consecução.
Na tentativa de obter sua libertação, seja por pedido de revogação da medida encarceradora e/ou sua substituição por medidas cautelares, recebe de alguns juízos de primeiro grau a preconcepção consequente ao quadro pintado com as investidas mencionadas, o que já provocou a convalidação por ocasião da apreciação de pedido de decretação do aprisionamento, e a negativa de substituição quando aforado o pleito respectivo, procurando o abandono do encarceramento.
Isto também tem se evidenciado em impetração de habeas corpus. Nele não é incomum a atuação do Ministério Público de Segundo Grau não como custos legis[11], mas como agente da persecução penal também nas instâncias superiores, nela atuando unicamente em prol da acusação, arguindo questões tendentes a agravar a situação do paciente, ou ainda buscando defender teses como o não conhecimento da ação constitucional, sua inadmissibilidade, por “não terem os argumentos sido apreciados em primeiro grau”.
Aliás, a atividade do Ministério Público na área criminal perante os tribunais é tema que deve levantar controvérsias, pois se deve discutir até que ponto age como fiscal da lei ou como agente da persecução penal[12], e se não há desequilíbrio quando atua como parecerista em processos onde já houve a manifestação do representante ministerial de instância inferior, ao constatar-se apenas a defesa dos interesses de acossamento, perseguindo idênticos objetivos. É de se indagar: tal situação não representa um ferimento à paridade de armas no processo penal?
Porém é tema espinhoso, que faz por merecer abordagem própria.
Mas retornando à alegação de não conhecimento da ação constitucional na hipótese versada, referente à suposta necessidade de manifestação do juízo apontado como coator, com todas as vênias soa absurda e teratológica.
Quando já se atacam os termos da decisão, por óbvio que não há obrigatoriedade de se submeter os argumentos de insurgência – que se voltam ao que já foi escrito – ao juízo de onde ela proveio, para que se possa atingir a finalidade de restituição da liberdade. A premissa é totalmente inadequada e desprovida de lógica, visto que já estando presente a ilegalidade, é a Corte imediatamente superior o sítio consentâneo à revisão.
Observa-se ser esta uma das muitas formas pelas quais se busca criar óbices ao uso do instrumento constitucional que visa a manutenção ou restituição da liberdade, com o total esquecimento de que o habeas corpus não é recurso na acepção da palavra. É recurso, não no sentido de constituir-se em medida prevista em lei como modo específico de atacar decisão judicial para buscar sua reforma, mas entendido como o remédio constitucional apropriado, e em certas ocasiões único, para a correção de ilegalidades e arbitrariedades, sendo consagrado como um dos mais importantes direitos e garantias do indivíduo na Constituição denominada “Cidadã”.
A mera pretensão de que receba tratamento comum, ordinário e não preferencial (ao contrário daquilo que determinado constitucionalmente), reflete vã tentativa de rebaixar instrumento legítimo e fundamental, cuja origem remonta ao período clássico romano (27 a.C. a 284 d.C.), ganhando realce na Inglaterra durante o reinado de John Lackland, no ano 1.215 d.C. com a Magna Charta Libertatum vel concordia inter regem Johannem et barones[13].
Ouve-se, do mesmo modo a afirmação de que há “banalização dos habeas corpus”. Com todo o respeito, a busca de refutar ações que ressoam na liberdade do indivíduo mostra-se censurável. O eventual elevado número de impetrações não se mostra suficiente para justificar que assim se conclua.
Aliás, se ocorre um uso constante e cada vez maior do writ of habeas corpus, evidentemente é porque se multiplicam situações e decisões inadequadas e injustas, quando não ilegais. E são elas que dão razão a que se venha às barras da Justiça buscar a corrigenda.
Em resumo: o que tem verdadeiramente ocorrido é a “banalização da prisão preventiva”.
Prova disso é que desafortunadamente nos dias de hoje não é incomum constatar-se a transformação da prisão cautelar em medida primeira, em opção perseguida pelo órgão acusatório e acolhida pelo Judiciário, pondo-a na condição de prima ratio[14][15][16].
Subverte-se, deste modo, a obediência aos princípios da liberdade e da presunção de inocência insculpidos na Constituição Federal[17].
Afora isso, ainda há o “pacote de crimes” a integrar a denúncia, na qual estará acusação de que o agente “integra organização criminosa” agregada a outros crimes, e a menção de ter contra si outras apurações de práticas infracionais, o que indica que sua prisão interessa “à garantia da ordem pública”[18].
Abandona-se a coautoria e coparticipação[19]; em se tratando de crime envolvendo drogas, havendo dois agentes tem-se a acusação de associação para o tráfico[20]; o antigo crime de formação de quadrilha agora leva à opção preferencial de acusação da prática de associação criminosa quando há três pessoas ou mais[21]; vê-secostumeiramentea eleição da organização criminosa para o caso de quatro ou mais integrantes. [22]
Isto faz parte também de um cuidado de inserir-se, dentre os crimes “praticados”, no mínimo um que figure no rol taxativo da Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989[23], sem o qual não se poderia requerer e muito menos decretar a prisão temporária antecedente à prisão preventiva.
Resta óbvio que a impressão negativa gerada pela apuração de outras condutas supostamente ilícitas tende a sugestionar o julgador – o que pode ocorrer por ter sido suspensa a eficácia da norma que instituiu o Juízo de Garantias, mantendo-se o mesmo Juiz desde a deflagração dos procedimentos investigativos até o julgamento – dificultando sobremaneira a prolação de decisão que não seja desfavorável ao investigado ou réu, por vezes se observando tal condição também nas instâncias de revisão.
Mas suponha-se que, tendo sido impetrado habeas corpus e exista perspectiva de soltura – nessa hipótese, haverá sempre a “carta na manga” de outra investigação, ou mesmo de outra ação penal já iniciada.
Aí poderá sobrevir (se já não existente) outro pedido de prisão preventiva em diferentes autos, e tendo sido ela decretada pela autoridade judiciária implicará a permanência no cárcere por outra motivação e em outro processo, por vezes, na mesma unidade judiciária.
Ou seja, a expectativa será frustrada e o trabalho terá sido em vão, consubstanciando-se em verdadeira vitória de Pirro[24].
Parece obra de ficção, mas não é!
IV – REFLEXOS NAS TRAMITAÇÕES JUDICIAIS
Houve – e ainda há – a utilização sistemática desse estratagema, o qual no auge da “Lava Jato” pressionou muitos juízes a decretar ou manter decisões de aprisionamento, impressionados com a repercussão então positiva dos atos do ex-Juiz Federal que conduziu as ações em Curitiba-PR, com o apoio da mídia e de grande parte da população. Em razão disso, sentiram-se incentivados a adotar idêntico procedimento, pois tiveram como legítimo o proceder, que na realidade se mostrou ardiloso e extremamente prejudicial a quem foi alvo da persecução penal[25].
Buscou-se, com êxito durante largo espaço de tempo, atrair a competência para o conhecimento, processamento e julgamento dos feitos tidos como interligados, ao Juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, em face de construções intelectuais e retóricas, tudo no afã de manter as rédeas sobre referidos feitos.
Mas as formulações e métodos da “Lava Jato” foram salientados na decisão da lavra do Ministro Edson Fachin, datada de 08 de março de 2021, em apreciando embargos declaratórios interpostos pela defesa do ex-Presidente Lula, quando finalmente reconheceu a incompetência do Juízo Federal de Curitiba para os processos nos quais ele foi condenado e, por consequência, anulou as sentenças condenatórias respectivas.
Em sua decisão fez referência ao procedimento do órgão acusatório, destacando:
Uma vez mais, a despeito da tese acusatória formulada no sentido da revelação de única organização criminosa estruturada em diversos núcleos (político, administrativo, econômico e financeiro), com atuação em pluralidade de órgãos públicos, sociedades de economia mista e empresas públicas, entendeu-se por restringir o âmbito da competência, limitando-se o alcance da conexão instrumental, da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba.[26] (sem grifo no original) (p. 19)
E mais adiante, consignou:
Conclui-se, portanto, que o Ministério Público Federal, à época em que aforou a denúncia em desfavor do paciente, já tinha ciência da extensão alcançada pelas condutas que lhe foram atribuídas, as quais abarcaram não só a Petrobras S/A, mas outros órgãos públicos, sociedades de economia mista e empresas públicas no âmbito das quais, com semelhante modus operandi, foram celebradas contratações revestidas de ilicitudes, em benefício espúrio de agentes públicos, agremiações partidárias e empreiteiras.
Optou-se, à época, pela concentração dos feitos relacionados ao aludido grupo criminoso no âmbito da competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, dentre os quais o caso ora sob análise.
Diante da miríade de ilicitudes evidenciadas com o avanço das investigações, não se afigurava teratológica a invocação de causas de modificação da competência, seja a conexão instrumental ou até mesmo a continência, para a aglutinação dos feitos correlatos naquele Juízo, conforme consignado pelo eminente Ministro Gilmar Mendes em voto proferido por ocasião do julgamento da precitada questão de ordem suscitada no INQ 4.130. (pp. 32/33). (sem grifo no original)
E foi escrutinando diversos aspectos relacionados à tentativa de impor uma jurisdição como competente, sabendo-se atualmente que em razão da evidente “simpatia” de seu titular para com as pretensões manifestadas pelo MPF:
No caso, restou demonstrado que as condutas atribuídas ao paciente não foram diretamente direcionadas a contratos específicos celebrados entre o Grupo OAS e a Petrobras S/A, constatação que, em cotejo com os já estudados precedentes do Plenário e da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, permite a conclusão pela não configuração da conexão que autorizaria, no caso concreto, a modificação da competência jurisdicional.
Com efeito, o único ponto de intersecção entre os fatos narrados na exordial acusatória e a causa atrativa da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba é o pertencimento do Grupo OAS ao cartel de empreiteiras que atuava de forma ilícita – dentre outros órgãos públicos, sociedades de economia mista e empresas públicas –, em contratações celebradas com a Petrobras S/A.
Mas não cuida a exordial acusatória de atribuir ao paciente uma relação de causa e efeito entre a sua atuação como Presidente da República e determinada contratação realizada pelo Grupo OAS com a Petrobras S/A, em decorrência da qual se tenha acertado o pagamento da vantagem indevida.
Na estrutura delituosa delimitada pelo Ministério Público Federal, ao paciente são atribuídas condutas condizentes com a figura central do grupo criminoso organizado, com ampla atuação nos diversos órgãos pelos quais se espalharam a prática de ilicitudes, sendo a Petrobras S/A apenas um deles, conforme já demonstrado em excerto colacionado da exordial acusatória.
O caso, portanto, não se amolda ao que veio sendo construído e já decidido no âmbito do Plenário e da Segunda Turma do Supremo ribunal Federal a respeito da competência da 13ª Vara Federal de Curitiba, delimitada, como visto, exclusivamente aos ilícitos praticados em detrimento da Petrobras S/A. (pp. 40/41)
E, ao concluir, asseverou:
Ante o exposto, com fundamento no art. 192, caput, do RISTF e no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365- 32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula), determinando a remessa dos respectivos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal. Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios.
Considerada a extensão das nulidades ora reconhecidas, com fundamento no art. 21, IX, do RISTF, declaro a perda do objeto das pretensões deduzidas nos habeas corpus 164.493, 165.973, 190.943, 192.045, 193.433, 198.041, 178.596, 184.496, 174.988, 180.985, bem como nas Reclamações 43.806, 45.948, 43.969 e 45.325. (p. 45).
Não se pode negar que o reconhecimento ocorreu tardiamente, pois o resultado das ações penais havidas em foro inadequado foi de ordem penal, pessoal e político, com repercussão nos acontecimentos posteriores do país, e, ao corrigir-se o erro, desnudou-se a retórica inadequada de justificação, embora sem apagar seus efeitos deletérios.
E tentativas de imposição de exegese favorável à acusação, ou mesmo o abuso em investigações ou em procedimentos antecedentes à ação penal não são incomuns e não se restringiram a Curitiba (PR).
Em caso rumoroso registrado em Florianópolis, capital de Santa Catarina, na data de 14 de setembro de 2017 levou-se à prisão o Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, com desatenção às prescrições da lei da prisão temporária principiando pelo tratamento que lhe foi dispensado.
Foi submetido à revista vexatória, foi obrigado a usar vestimentas de presidiário, foi recolhido em local inadequado[27], humilhações que acabaram provocando desfecho trágico ante o seu suicídio [28].
E nesse triste e lamentável episódio, viu-se o suporte de afirmação que infelizmente encontra eco entre os atores da persecução penal e mesmo magistrados, não fugindo da tendência a Delegada Federal que atuou no caso: a tal da convicção pessoal [29] [30].
Não é meio de formação de entendimento, uma vez que a discricionariedade de que são portadoras as autoridades do sistema criminal não é livre; ao contrário, é regulada, como acontece com o juiz[31].
E não fica nisso, pois há fator ainda mais grave e sério: o suposto crime cometido pelo reitor – obstrução da Justiça[32] nos termos da Lei n. 12.850/2013, em seu art. 2º, §1º – não foi incluído por alteração legislativa no rol dos crimes que admitem a prisão temporária[33] o que coloca em xeque a representação da autoridade policial, a promoção do Ministério Público Federal, assim como a decisão judicial de aprisionamento[34].
Por tal razão é fundamental estabelecer que o indigitado autor de crime(s) é detentor de direitos desde o início da perscrutação policial, não se restringe a alvo da investigação, a objeto da busca desmedida e não controlada de incriminação, devendo ter assegurado em seu favor o direito de uma acusação justa:
Ainda que possa parecer um disparate para muitos – ainda mais hodiernamente, quando o obscurantismo virou regra – um dos basilares direitos daquele que se torna um acusado em processo criminal, é o direito de ser bem acusado. Isso mesmo. De ser bem acusado.
Se assim não fosse, tornar-se-ia impossível a elaboração de boa defesa técnica, em toda sua plenitude. Quero dizer, o fato delituoso imputado precariamente ao acusado demanda narrativa congruente com os elementos colhidos na fase administrativa, além da necessidade de estar respaldada em elementos concretos disponíveis nos autos, indicando de maneira firme a prova da materialidade e a possível autoria.[35]
V – OVERCHARGING COMO FORMA DE PUNIÇÃO ANTECIPADA
E GARANTIA DE PUNIÇÃO FINAL
A reflexão atinente a uma acusação apropriada, obviamente se aplica à discussão a que se propõe esta reflexão.
Ser bem acusado implica ter contra si uma acusação havida com retidão, antecedida de investigação realizada de acordo com as exigências da legislação processual e garantias insculpidas na Constituição, equilibrada e desprovida de excessos, contendo todos os seus elementos, permitindo que com a utilização dos meios lícitos possa ser combatida, como resguardada a condição de permanecer solto enquanto em curso a ação penal, livre da criação de motivações enganosas e artificiosas para prendê-lo, como de não ser surpreendido por medidas sequenciais ao talante da conveniência do órgão acusatório.
Nessa conformidade o overcharging, que em sua definição corriqueira é representado pela atribuição de condutas ilícitas em demasia, consubstancia prática condenável, antiética, que não pode ser tida como natural, e sua utilização mostra-se passível de constatação estatística:
Nesse ponto, importante lembrar que o overcharging é utilizado rotineiramente na prática judiciária brasileira pelo Ministério Público, fato demonstrado pela Pesquisa sobre as sentenças judiciais por tráfico de drogas na cidade e região metropolitana do Rio de Janeiro, a qual esquadrinhou 3.167 processos com imputações dos delitos dos artigos 33, 34, 35, ou 37 da Lei 11.343/06, constatando que em 42,7% dos processos (1.595 casos), a imputação contida na denúncia cumulava os delitos do art. 33 e 35 da Lei de Drogas, sendo que 40,2% só havia a indicação do art. 33. Quando da análise das sentenças, observa-se que apenas em 27,1% dos casos ocorreu a condenação no delito associativo (art. 35), o que significa, em números absolutos, 783 condenações, ou, 812 absolvições.[36]
E a separação de investigações e processos, busca de atração por competência, o artifício e ações similares, por conseguinte, equiparam-se ao subterfúgio de atribuir fatos criminosos em quantidade para provocar situações de constrangimento pessoal e legal, como de intimidação para coleta de delação premiada ou coisa similar.
Criam-se maiores obstáculos à defesa para buscar o reconhecimento da inocência, como para evitar a prisão ou permitir a reconquista da liberdade.
Configura uma variante do overcharging, com traços tupiniquins.
Ambas as situações são inadequadas em um processo penal justo e democrático, e a escolha de momento para agilização da investigação e/ou ofertar as acusações têm consequências claras no âmbito da ação penal: fica a acusação em condição privilegiada, pois atribui à pessoa que tem contra si o registro de diversas ações supostamente ilegais, justificando se diga que há “razões suficientes” para que sua liberdade seja tolhida ainda antes de ser julgado por sentença e que é dotado de “caráter criminoso” ante a repetição de condutas, o que justificaria à afirmação de que deve ser culpado, pois se não o fosse não teria envolvimento em tamanha “quantidade de ilícitos”.
O impacto que se vê é observado no próprio tratamento havido entre quem litiga no processo:
No processo penal o princípio da igualdade se exterioriza e se evidencia pelo tratamento paritário entre a acusação e a defesa. O tratamento igualitário nada mais é do que a garantia das mesmas oportunidades e possibilidades processuais.
A paridade de armas é a pedra de toque e um dos fundamentos axiológicos do processo. Esse aspecto é importante no direito à prova. Mas a referida igualdade é formal. Neste aspecto, no processo penal há uma particularidade, que é o princípio in dubio pro reo. Este é consectário lógico do princípio da presunção de inocência. Assim, não cabe ao réu demonstrar que não é responsável pelo delito.
De outra feita, é importante ressaltar, que o Ministério Público dispõe de todo o aparato estatal para realização de seu mister. O réu por sua vez, dispõe da autodefesa e da defesa técnica produzida pelo seu advogado. A defesa pessoal é limitada. Assim, a defesa técnica é o instrumento básico pelo qual se assegura a paridade entre as partes, sendo a concreta atuação do contraditório, pois a acusação encontra-se a cargo do Ministério Público, que é exercida pelo representante do parquet, pessoa altamente qualificada, de modo que a exigência da defesa técnica surge como imprescindível, com a finalidade de estabelecer a igualdade entre as partes. No processo penal, as partes, acusação e defesa, devem ter as mesmas oportunidades de fazer valer suas teses em juízo. O princípio da igualdade reflete-se aí na isonomia das partes, ou seja, iguais oportunidades, sem deixar que a desigualdade técnica prejudique a defesa.[37]
Isto representará uma quebra do equilíbrio, pois será dado a uma das partes usar trunfo a ser manejado a qualquer momento no próprio processo, ou em outro(s) com reflexo naquele já em andamento.
O acusado passa a ser um joguete, um alvo fácil, uma vez que em se pretendendo agravar sua situação, ou em se observando a possibilidade de vir a ser beneficiado, saca-se de mais dados para agravar sua condição. Há evidente ofensa à lógica de igualdade e lealdade processual.
Mas não se resume a isto.
Ainda no espectro da prisão provisória, constata-se que o estratagema de elencar aspectos que podem ser considerados negativos, por vezes influi na decisão judicial, de molde a determinar razões para o aprisionamento embasadas em hipóteses de que se traz risco à ordem pública (confundindo-se eventual gravidade do crime, que representou a tipificação como atividade ilícito-penal e previsão de pena numericamente relevante, e a ser aferida na sentença, com o risco que a liberdade traria à sociedade), poderia vir a influir na coleta da prova, por sua expertise ou facilidade de contatos, ou se homiziar em razão de situação econômica mais favorável etc.
Contudo, não raras são afirmações sem base concreta, devaneios sem respaldo nos autos, os quais demonstram a inidoneidade dos motivos.
No campo penal há outras sérias e graves consequências.
Primeiro que já se criou ambiente onde o acusado é visto como transgressor desde a fase investigatória ante o risco de evidente contaminação do pensar do julgador, o qual seria grandemente mitigado se já estivessem em vigor as disposições do Código de Processo Penal acerca do juízo de garantias.[38]
Cabe ressaltar neste ponto, que a suspensão de sua aplicabilidade por decisão monocrática do Min. Luiz Fux do STF, e o expressivo lapso de tempo decorrido desde a sua prolação (20 de janeiro de 2020) – superior a um ano e um mês – sem que se tenha a mínima previsão de quando virá a ser apresentado o tema para deliberação em Plenário, está a impedir significativo avanço no campo processual penal[39].
Dessa forma, o overcharging também pode se espraiar para a atuação judicial, provocando situações de perplexidade ante a constatação da influência negativa decorrente da destreza havida em se apresentar um quadro sombrio do incriminado pelo órgão acusatório, e mesmo pelo posicionamento dirigido claramente à responsabilização, o enfoque em elementos que possam permitir a condenação, por questão ideológica ou de visão de mundo.
Tal proceder foi alvo de severa crítica do Ministro Gilmar Mendes ao prolatar seu voto no HC n. 164.493/DF, da relatoria do Ministro Edson Fachin, Segunda Turma do STF, figurando como paciente Luiz Inácio Lula da Silva, tendo por objeto o reconhecimento da suspeição do ex-Juiz Federal Sérgio Moro, na data de 09 de março de 2021, como se verifica:
[…] Há alguns anos compartilho e aprofundo críticas sobre os excessos e os riscos impostos ao Estado de Direito por um modelo de atuação judicial oficiosa que invoca para si um projeto de moralização política. A história recente do Poder Judiciário brasileiro ficará marcada pelo experimento de um projeto populista de poder político, cuja tônica assentava-se na instrumentalização do processo penal, na deturpação dos valores da Justiça e na elevação mítica de um Juiz subserviente a um ideal feroz de violência às garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência e, principalmente, da dignidade da pessoa humana. […][40]
Continuando, assinala:
[…] Peço mais uma vez vênias para transcrever as palavras do Ministro Celso de Mello acerca da conduta do magistrado em questão: “o interesse pessoal que o magistrado revela em determinado procedimento persecutório, adotando medidas que fogem à ortodoxia dos meios que o ordenamento positivo coloca à disposição do poder público, transformando-se a atividade do magistrado numa atividade de verdadeira investigação penal. É o magistrado investigador.” […][41]
E ainda na parte que interessa a presente digressão, deve ser mencionado o que foi dito em conclusão no referido voto-vista:
O exame conglobante de tudo o que foi até aqui narrado estreita a inevitável compreensão de que houve de fato a violação do dever de imparcialidade do magistrado.
Nos termos do art. 101 do CPP, “julgada procedente a suspeição, ficarão nulos os atos do processo principal, pagando o juiz as custas, no caso de erro inescusável; rejeitada, evidenciando-se a malícia do excipiente, a este será imposta a multa de duzentos mil-réis a dois contos de réis”.
Antes de concluir, preciso relembrar alguns fatos.
A polaridade que se percebe na sociedade brasileira atual precisa ser ponderada com seriedade. Em meu voto, não há qualquer polaridade ou predisposição a um ou outro partido, a um ou outro réu.
Fui eu quem, desde os primórdios, criticou e apontou fortemente as falhas e incongruências do Partido dos Trabalhadores.
Durante o julgamento do caso Mensalão, adotei postura repressiva, para condenar aqueles contra quem havia provas além da dúvida razoável, com penas proporcionais e individualizadas. Em tal período, de modo enfático, cheguei a denominar aquela estrutura de “quadrilha” e “organização criminosa”.
Depois, fui eu quem, diante da clara ilegalidade e desvio de finalidade, suspendeu a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como Ministro indicado por Dilma Rousseff em meio à deflagração de fase da Operação Lava Jato (MS 34.070 MC, DJe 28.3.2016), afirmando que tal ato pretendia fraudar a definição da competência para julgamento do processo penal em questão. Ou seja, mantive este processo sob o julgamento de Sergio Moro naquele momento.
Contudo, aqui vamos muito além de qualquer limite. Não podemos aceitar que o combate à corrupção se dê sem limites. Não podemos aceitar que ocorra a desvirtuação do próprio Estado de Direito. Não podemos aceitar que uma pena seja imposta pelo Estado de um modo ilegítimo. Não podemos aceitar que o Estado viole as suas próprias regras. [42]
A questão relacionada à ação judicial deliberada, a preocupação com os limites a que devem obediência os juízes, merece profunda e séria reflexão:
O controle criminal que ultrapassa barreiras da legalidade, além de fragilizar a democracia pela ruptura do Estado de Direito, também pode ser qualificado como uma atuação corrupta, em especial se proporciona benefícios pessoais ou institucionais a quem o promove.
Tampouco há apontar eficiência num controle que não se opera de forma equânime, seja por violar o princípio de igualdade das democracias, seja por representar um fator de desequilíbrio da arena política, com risco de deslegitimação da política ou das pautas defendidas por aqueles que são seletivamente atingidos pelo controle criminal.
O comportamento voluntarista dos atores do Judiciário exposto neste livro, que permitiu a atuação altamente seletiva do controle da corrupção, sugere que são precipitadas as análises que defendem de forma quase irrestrita o envolvimento do Judiciário no combate à corrupção. Ainda que se reconheça a importância do controle criminal da corrupção política, devem ser feitas ponderações sobre o papel do Judiciário na atividade estatal de persecução penal, sobretudo diante dos efeitos altamente gravosos da sanção criminal ao indivíduo e ao seu entorno, além da questão ligada à possível ineficiência desse tipo de punição para reduzir ou desincentivar a corrupção (Oliveira, Cunha, 2017; Da Ros, 2019).
O desenho das democracias em geral inclui o Judiciário numa posição de equidistância entre o Estado que acusa e o indivíduo que responde a uma acusação, modelo expressamente previsto no desenho institucional brasileiro. Esse modelo se fragiliza quando o Judiciário passa do papel de árbitro de conflitos para o de combatente que usa de sua privilegiada posição no processo penal para buscar resultados incluídos nas missões institucionais dos órgãos de acusação.[43]
Mas além da hipótese – incomum, diga-se – do envolvimento pessoal do Juiz quanto ao objetivo condenatório, ainda há como antes salientado, elevado risco de que a impressão ocasionada pela acusação por estar o agente a sofrer a imputação da prática de vários crimes em processos distintos, em geral crimes da mesma espécie ou interligados, sugestione os juízes a uma antevisão negativa a respeito do inculpado e de suas presumíveis ações. Isto independente de estar engajado ao escopo de sobrevir a condenação.
Ocorre, nessas situações, o inegável reflexo na prolação da sentença que, estando impregnada da vontade de condenar será viciada, e se advinda da persuasão planejada e provocada pelas ações do Ministério Público, afigura-se contestável pelo provável afastamento da verdade.
Vezes há que o efeito do convencimento ecoa nos acórdãos relativos aos recursos interpostos, ou mesmo nas ações constitucionais de habeas corpus em que há inadvertido avanço sobre a questão de mérito, ficando evidente a impressão advinda daquelas circunstâncias.
VI – EFEITOS IMEDIATOS E DE LONGO PRAZO
As medidas cautelares preconizadas pela minireforma do Código de Processo Penal implantada pela Lei n. 12.403, de 24 de maio de 2011, que deu nova redação ao seu art. 319, têm sido nesse diapasão, postas de lado. Tal desprezo ocorre apesar de elas se mostrarem na maioria dos casos, suficientes para prevenir a recalcitrância, qualquer interferência na investigação ou instrução, ou mesmo a possibilidade de fuga, derrubando a motivação para a determinação da prisão preventiva, ou sua manutenção.
É de se questionar, ainda, por que não se têm por suficientes, em alguns casos, as medidas assecuratórias preconizadas no Código de Processo Penal em seus artigos 125 a 144 (sequestro, o arresto e a hipoteca legal), isolada ou concomitantemente com as medidas cautelares diversas da prisão, como forma de prevenir os prejuízos ocasionados?
Ao contrário do que foi afirmado pelo ex-Juiz e ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro[44], desdenhando a quantidade de presos sem sentença, o Brasil registrava em 2020 um número exagerado de presos provisórios, com percentual em alguns casos apontado como superior a 30% (trinta por cento) de um total de 710.000 (setecentos e dez mil) presos[45], embora se deva observar qual o critério apontado para definição de preso provisório: se é aquele ainda não sentenciado, ou aquele contra quem ainda não houve o trânsito em julgado da decisão condenatória.
De qualquer sorte, tendo-se em conta o déficit expressivo de vagas no sistema prisional[46] o percentual é absurdo, ainda mais quando se tem conhecimento da situação caótica e desumana dos presídios nacionais[47], que não é resolvida entra ano, sai ano.
Demonstra aquele que foi o responsável pela condução dos processos da “Operação Lava Jato” ou absoluta falta de conhecimento ou desinteresse e despreocupação com a situação carcerária e com o preso, com o ambiente violento nela existente, com o fato de ser ele propício tanto ao surgimento como ao crescimento de organizações criminosas de grande espectro, com as condições precaríssimas e desumanas e com a quase total falta de condições de recuperação de quem lá se encontra.
Não é a visão que se esperaria de alguém com a responsabilidade de julgar causas e não pessoas e aplicar o direito seguindo as regras estabelecidas, e que veio posteriormente a empolgar a função de Ministro da Justiça, tendo por obrigação zelar pela vida e dignidade da massa carcerária, tanto quanto possível.
É também de triste constatação verificar-se em parte dos juízes de hoje um apego à cultura do aprisionamento antecipado, com o afastamento da escolha por medidas dele diversas, propícias a permitir resultado semelhante.
Confunde-se a prisão provisória com a prisão decorrente da sentença condenatória transitada em julgado (prisão-pena), havida após a finalização da instrução em que se deu a apreciação das teses acusatória e defensiva, ocorrendo a formação de convicção, permitindo a declaração de autoria (lato sensu), materialidade (quando houver) e culpabilidade.
Não se pode descartar, por outro lado, que alguns realmente entendam que se deva antecipar a futura e hipotética condenação e que a lei “está errada”.
O equívoco é abissal, consistindo em violência explícita à Carta da República e afronta direta ao princípio da presunção de inocência, além de extrapolação dos limites profissionais.
Há que se buscar soluções para o impasse. A primeira delas seria procurar o reconhecimento da conexão[48] entre os fatos denunciados em processos diversos, determinar sua reunião, o que dará possibilidade à defesa ampla e extensiva a todos os fatos, de uma só vez, como para evitar decisões desiguais – bem como para afastar a possibilidade de reunião de condenações no momento do início da execução penal, resultando em automática imposição de concurso material entre as penas e consequente agravamento de regime prisional.
Tal situação, sabe-se, pode até vir a ser desembaraçada por atuação da defesa posteriormente, quando já consagrado um aprisionamento injusto em regime mais gravoso.
Pode-se querer opor à ideia o argumento de que o curso do processo será dificultado pelas contramarchas do reinício da instrução quanto às novas imputações, o que poderá provocar o excesso de prazo. Buscar-se-á imputá-lo à defesa, já que o requerimento do assentimento da conexão será por ela feito.
Mas não é o raciocínio correto. Sem qualquer dúvida, a tardança que se pode antever seria consequência única e exclusiva da ação (estratégica) do Ministério Público que, ao optar por denúncias diversas em tempos diferentes, provocou o incidente que implica a delonga na aferição da verdade dos fatos. Ou seja, a tática escolhida foi que ocasionou o atraso que se observará. Quem o fez deve assumir a paternidade.
E a afirmação não é nada mais que consectário lógico dos acontecimentos, afinal, as responsabilidades devem ser atribuídas a quem deu causa aos motivos de ajustamento do processo[49].
Outra maneira de buscar-se o afastamento da possibilidade de uso do expediente é agir nas investigações em curso, exigindo a observância dos prazos fixados pelo Código de Processo Penal para sua conclusão[50], atentar para os prazos estabelecidos à acusação para oferta da denúncia pelo agente do Ministério Público[51].
A cobrança por parte do advogado quanto ao estrito cumprimento das disposições legais também se insere, analogicamente, no escopo da investigação defensiva, que se constitui em “Garantia fundamental do imputado, inerente a um processo de partes, na medida em que constitui instrumento para a concretização dos direitos constitucionais de igualdade e defesa” [52].
Abrem-se parênteses para dizer que o instituto da investigação defensiva, novidade em nosso ordenamento jurídico-processual e por isto mesmo pouco utilizada, deve ser objeto de atenção pelos benefícios que dela poderão advir não só à elucidação dos acontecimentos, mas no tocante à liberdade imediata (ante o risco de prisão provisória) ou mediata (decorrente de condenação)[53].
Existem ações importantes que não só podem como devem ser praticadas na defesa dos interesses do objeto da perseguição como o contraditório prévio na hipótese das medidas cautelares[54], provocando a discussão a respeito da total viabilidade de suas utilizações em detrimento da opção encarceradora, o que se repete por ocasião da audiência de custódia[55], quando a firme e pronta atuação do advogado e a demonstração da correção de seus argumentos, pode figurar como importante elemento a ser considerado.
Retomando o tema, não há como contestar que a utilização de procedimento investigativo como meio de colocar o alvo da persecução penal em situação de inferioridade no campo processual deve ser combatida. É obrigatório observar que mesmo antes da acusação formalizada é detentor de direitos; eles devem ser exercitados e, acima de tudo, respeitados:
Nesse palmilhar, sustentar a ideia de que o indiciado é mero objeto de investigação seria negligenciar os direitos que lhe são conferidos constitucionalmente, ao passo que é inegável que a investigação pré-processual tem um enorme impacto no convencimento do juízo competente no bojo da ação penal, superando, muitas das vezes, as provas colhidas em juízo.[56]
Esse estado de coisas não pode prevalecer. Não é dado à acusação ficar aguardando o momento em que vai atuar, fazendo-o em detrimento dos direitos que socorrem ao investigado/acusado.
Além de tais aspectos relevantíssimos, há a considerar que ocorrendo condenação em processos diversos – repete-se –, o agente sofrerá penas distintas que serão somadas, comprometendo o cumprimento da reprimenda nos regimes fechado ou semiaberto, na dependência do total obtido.
Somente na execução da pena é que poderá vir a perseguir a unificação e tratar do possível reconhecimento da continuidade delitiva[57] em favor do condenado.
Qual espaço de tempo pode ter decorrido estando ele recolhido em regime de pena que não seria compatível com o havido em condenação em um único processo, ante a aplicação da ficção jurídica do crime continuado? Quanto tempo poderá ter ficado recolhido pela não ocorrência de progressão da pena pela soma das condenações? Quem recuperará esse período perdido no cárcere? Como se compensarão os traumas, o sofrimento e as aflições do preso e de seus familiares? E os demais prejuízos profissionais, sociais e políticos, quem os recuperará?
VII – RESPONSABILIDADES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E JUDICIÁRIO
Deve-se estabelecer no que contribuem para esse estado de coisas o Ministério Público, por seus agentes, e o Poder Judiciário por seus órgãos nas mais diversas instâncias.
O Ministério Público é órgão do Estado, instituição permanente e fundamental à democracia, que após a Constituição Federal de 1988 ganhou maior protagonismo e importância no contexto político-jurídico nacional, mesmo assim sujeitando-se às regras éticas e morais, que não podem ser olvidadas:
Em todo o mundo, o promotor público é o intérprete dos interesses gerais de punição dos criminosos e o responsável direto pela eficácia, pela legalidade e pela humanidade dessa missão.
Mas no exercício dessa função tão essencial para a sociedade, tal como ao magistrado antolha-se ao Promotor de Justiça, como escopo e preocupação primordial a justiça de que a sociedade precisa. Daí por que a lei exige do promotor a mesma isenção, a mesma serenidade, a mesma compostura do juiz. Na opinião de Hugo Nigro Mazzilli, ao representante do Ministério Público não basta ser honesto: isso é pressuposto e não qualidade. É preciso ser um homem íntegro e independente, sem compromisso senão com a lei e com sua consciência, capaz, portanto, de exercitar contra quem quer que seja os poderes que a lei lhe conferiu. Destarte, “o empenho do Ministério Público consistirá – como ensinava Roberto Lyra – em evitar o erro e a injustiça, apurando quem seja o autor e não provando quand même, que o autor foi o denunciado e concentrando a culpa sobre um homem, só porque a presunção apriorística o levou ao banco dos réus. Seja qual for o crime – é ainda lição do mestre -, seja quem for o criminoso, se culpado irá para o cárcere: se inocente ou irresponsável, tem direito à liberdade, se inimputável ou irresponsável, em estado de periculosidade imediata, irá para o manicômio.”[58]
Integra a relação processual penal como órgão acusatório, tendo na outra ponta a defesa, e devendo ter como partícipe descompromissado com o resultado o Juiz.
Faz-se mister que o processo penal no qual agem referidos atores, antecedidos pela autoridade policial, não seja uma arena de combate, na qual se admita o uso das mais diversas armas, sem controle ou obediência a regramentos previamente estabelecidos.
A advertência já foi feita por Alexandre Morais da Rosa:
Disso decorre que o fair play e a atitude democrática de quem apura poderá ser decisiva para que o ambiente democrático possa comparecer no Processo Penal Investigatório, por assim dizer. Do contrário, teremos jogos de cartas marcadas, investigações unilaterais, enfim, toda gama de produções capazes de fomentar cartas de acusação que poderão ser blefes ou trunfos. O futuro do Processo Penal passa, necessariamente, pela democratização e controle da investigação preliminar, justamente porque o Processo Penal vintage (que estamos acostumados) está em vias de extinção.[59]
Lícita, legítima e elogiável a atuação do Ministério Público no combate à criminalidade em geral, à criminalidade organizada, aos crimes de “colarinho branco”, sempre o fazendo no afã de cumprir com suas obrigações institucionais. É sua função e propósito, e em assim agindo estará atendendo aos anseios da população brasileira que clama por seriedade e por respeito às leis.
Contudo, há que prevalecer o que acontece na maioria das atuações de membros do Parquet, que não buscam atropelar as disposições legais, respeitam os direitos e garantias individuais e não utilizam a sagacidade como instrumento de agir.
O mesmo deve-se exigir do Juiz: equilíbrio, equidistância, ausência de compromisso com resultado e acima de tudo, absoluta observância dos princípios constitucionais e normas ordinárias que regulam a matéria[60].
Juiz de qualquer instância que enfrenta o processo com ideias preconcebidas, que se considera o responsável pela segurança pública ou considere dever desempenhar o papel de herói, de paladino, está deslocado de sua verdadeira função.
Aliás, foi essa a advertência feita pelo Ministro Néfi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça, quando asseverou em voto proferido em habeas corpus:
[…] Manter solto durante o processo não é impunidade, como socialmente pode parecer, é sim garantia, somente afastada por comprovados riscos legais.
Aliás, é bom que se esclareça, ante eventuais desejos sociais de um juiz herói contra o crime, que essa não é, não pode ser, função do juiz. Juiz não enfrenta crimes, juiz não é agente de segurança pública, não é controlador da moralidade social ou dos destinos políticos da nação… O juiz criminal deve conduzir o processo pela lei e Constituição, com imparcialidade e, somente ao final do processo, sopesando adequadamente as provas, reconhecer a culpa ou declarar a absolvição. Juiz não é símbolo de combate à criminalidade, é definidor da culpa provada, sem receios de criminosos, sem admitir pressões por punições imediatas.
Cabem as garantias processuais a qualquer réu, rico ou pobre, influente ou desconhecido, e centenas, milhares de processos são nesta Corte julgados para permitir esse mesmo critério a todos. O critério não pode mudar na imparcialidade judicial. […] [61].
E a ausência de disposição de encarnar a figura de “vingador”, de “panaceia da criminalidade”, advém de postura isenta, posicionamento que o faz alheio aos interesses em discussão, na qual aguarda que a prova lhe indique o caminho, como aliás bem adverte Jacinto Nelson de Miranda Coutinho:
Enfim, como se sabe, a prova é conhecimento que reporta. Assim, antes de tudo é conhecimento. No fundo, o processo se faz para isso: alguém que teoricamente não conhece sobre um crime (juiz), deve conhecê-lo, de modo a poder bem julgar. Pela prova, aporta tal conhecimento; ou o que dele foi possível trazer. Por isso que se diz que prova é tudo aquilo que torna conhecido algum fato, pessoa ou coisa. Esse “tudo aquilo”, porém, o que é? Esta questão, pelo próprio verbo “ser” que aí está, remete, logo, à “questão” fundamental, ou seja, aquela referente à Verdade; ou ao discurso que se faz sobre a Verdade. Antes de tudo, porém, seria preciso indagar: é possível chegar na Verdade, para se poder reportar como conhecimento (prova) no processo penal? Para responder, seria preciso ir, pelo menos, na Filosofia e na Psicanálise, o que é impossível neste pequeno ensaio.[62]
E cabe ainda ressaltar o que pontuou Afrânio Silva Jardim:
Assim, o juiz deveria buscar a prova para formar o seu convencimento, sempre de forma discreta e após a atividade probatória das partes, tendo em vista os postulados do sistema acusatório (não me refiro ao danoso sistema adversarial).
Formado o seu convencimento, diante da prova dos autos do processo, se for o caso, o juiz prolatará a sua decisão. Agora, se ele realmente chegou à verdade – se é que existe verdade absoluta – ele nunca saberá, morrerá sem nunca sabe-la (até mesmo autor e vítima talvez não a saibam e nunca saberão…)
Em resumo: no processo penal não se busca a verdade plena (talvez impossível de alcançar), mas sim que o convencimento do juiz seja formado exclusivamente em razão dos fatos efetivamente trazidos à sua apreciação e que estejam nos autos. [63]
Ou seja, não pode haver vontade antecipada de condenar, a busca do esclarecimento que atenda ao interesse de sustentar decisão condenatória, o antecedente arrebatamento por uma “verdade” prévia e sancionatória[64].
Ao contrário, o Juiz deve estar liberto de tais motivações, ter um agir direcionado ao esclarecimento que o processo lhe fornecerá, sem paixão ou interesse de qualquer ordem, o que constitui pressuposto indispensável ao bom e justo julgamento.
VIII – CONCLUSÃO
Está em jogo a liberdade, bem inalienável do indivíduo salvaguardado pela Constituição Federal[65], o qual somente poderá ser relativizado em situações excepcionais[66]. Igualmente em jogo a paridade de armas no processo, o respeito ao juiz natural, o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório[67].
Para que isso se concretize, estando respeitados os direitos e garantias individuais do inculpado, haverá de existir lealdade processual, observância aos prazos fixados em lei, ética na condução das atividades.
Ao Estado, à Justiça, à população, não interessa o uso da persecução penal como instrumento de vingança ou satisfação pessoal. A todos interessa a boa e justa consecução do Direito, com respeito mútuo e obediência às disposições legais pertinentes.
A prevalência da conduta dos membros do Ministério Público e do Poder Judiciário que somente se orientam no sentido da obtenção de resultados legítimos, é o que deve mover as instituições.
Só assim cresceremos, só assim poderemos expurgar ou minimizar a criminalidade, só assim não se correrá risco de invalidação de procedimentos por abusos e excessos.
Um processo justo, legal e equânime é o que se espera e pelo que se deve lutar, sem trégua e sem receio. Ele vem em favor de todos.
[1] “Os movimentos de lei e ordem apontam no cenário brasileiro, com forte disseminação da mídia e da própria população, como uma solução célere e eficaz para a diminuição da criminalidade alarmante e contenção do sentimento de impunidade gerado pelas instituições corruptas. Esses movimentos fundamentam-se na política criminal de Tolerância Zero implementada na cidade de Nova Iorque, nos anos de 1990, a qual reduziu consideravelmente os índices de criminalidade com a utilização de um sistema de repressão severa aos crimes de menor potencial ofensivo.” (VALLE, Nathália, MISAKA, Marcelo Yuko e FREITAS, Renato Alexandre da Silva. Uma reflexão crítica aos movimentos de lei e ordem – teoria das janelas quebradas. Disponível em http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Rev-Juris-UNITOLEDO_v.3_n.4.09.pdf, acesso em 12/03/2021).
[2] Que consagra a máxima intervenção do Estado.
[3] GRECO, Rogério. Direito penal do inimigo. Disponível em https://rogeriogreco.jusbrasil.com.br/artigos/121819866/direito-penal-do-inimigo, acesso em 12/03/2021.
[4] KERCHE, Fábio. Ministério Público, Lava Jato e Mãos Limpas: uma abordagem institucional. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64452018000300009, acesso em 07/03/2021).
[5] O que motivou deferimento pelo Ministro Ricardo Lewandowski do acesso à defesa do ex-Presidente Lula às informações do acordo de leniência da Odebrecht na operação Lava Jato, além de correspondências trocadas entre a força-tarefa e autoridades estrangeiras, cfe. notícia do site Uol, disponível em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/11/16/lewandowski-libera-acesso-de-lula-a-provas-da-lava-jato-sobre-odebrecht.htm, acesso em 10/03/2021.
[6] RODRIGUES, Fabiana Alves. LAVA JATO. Aprendizado institucional e ação estratégica na justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2020, p. 144.
[7] Abstract: juízes e membros do Ministério Público não podem fazer agir estratégico, isto é, não podem usar o Direito com desvio de finalidade. Agir estratégico é similar à lawfare. […] (STRECK, Lenio Luiz. STF alerta sobre o uso estratégico do Direito por juízes e promotores. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-set-20/senso-incomum-stf-alerta-uso-estrategico-direito-juizes-promotores, acesso em 05/03/2021). (sem grifo no original)
[8] MARTINES, Fernando. Procurador do MPF se revolta com direito constitucional de permanecer calado. Disponível em https://www.conjur.com.br/2018-jan-18/procurador-mpf-revolta-direito-constitucional-silencio, acesso em 07/03/2021.
[9] […] Os agentes do Ministério Público são órgãos do Estado, instituídos na estrutura íntima da própria Constituição Federal que cuida diretamente de sua investidura, de suas finalidades, de seus princípios, de suas garantias e vedações, bem como de suas funções, uma delas, aliás, que a lei fundamental lhes tornou privativa. Seus membros são órgãos de primeiro escalão, ou seja, são os órgãos do Estado que atuam com plena liberdade funcional no exercício de suas funções primárias, devendo obediência apenas à Constituição e às leis, quando manifestam, diretamente por meio de seus atos, a vontade do Estado que os investiu exatamente para tomarem essas relevantes decisões com total independência. Nas funções próprias da atividade-fim, esses órgãos não devem obediência hierárquica a chefes, a regulamentos administrativos, a portarias, a ordens de serviço, a atos administrativos regulamentares baixados por algum superior — devem obediência, repita-se, apenas à Constituição e às leis. E seus agentes têm atribuições próprias, com prerrogativas próprias, previstas na Constituição e nas leis, e também estão sujeitos a responsabilidades próprias e a processo próprio de responsabilização. […] (MAZZILLI, Hugo Nigro. O membro do Ministério Público como agente político. Disponível em http://www.mazzilli.com.br/pages/artigos/agenpol.pdf, acesso em 07/03/2021).
[10] Ato ao qual não se busca dar maior importância, mas que implica em “invasão” da residência em horário da aurora, com a presença de inúmeras pessoas vasculhando toda a casa, independentemente de quem lá se encontre, o que é extremamente traumático para o alvo da investigação, mas principalmente a seus familiares.
[11] Questão que é ainda controvertida, uma vez que em se entendendo o representante do Ministério Público como custos legis, isto é, guardião da lei, fiscal da lei, deveria ter posição isenta em sua atuação no âmbito recursal ou das ações constitucionais.
Sobre o tema disserta PAULO QUEIROZ, que a questão que merece alguma reflexão diz respeito à legitimidade/necessidade da intervenção do Ministério Público em segundo grau nas ações penais públicas propostas perante o juízo de primeira instância e submetidas à apreciação dos tribunais mediante recurso. Depois de identificar diversas posições acerca do tema, assinala que Por tudo isso é que parece insustentável a intervenção do Ministério Público em segundo grau nas ações penais apenas como “custos legis”, posição inclusive que não raro ofende o contraditório e a amplitude da defesa. No futuro a atuação do MP como parecerista deve ser abolida, se é que de fato foi recepcionada pela Constituição. Por essas e outras, temos que já é tempo de se iniciar amplo debate sobre a necessidade urgente de revisão de toda a estrutura funcional do Ministério Público, a fim de tornar a sua atuação mais racional e eficiente. Porque a história do Ministério Público é a história do Estado, um largo caminho de democratização, que só estamos iniciando, e que por isso requer uma constante revisão crítica e que implica, ao menos tempo, remover, permanentemente, mitos, ficções e alienações que impeçam essa revisão. (QUEIROZ, Paulo. Crítica da intervenção do ministério público em segundo grau. Disponível em https://pauloqueiroz2.jusbrasil.com.br/artigos/121941910/critica-da-intervencao-do-ministerio-publico-em-segundo-grau, acesso em 05/03/2021). (sem grifo no original)
[12] Dir-se-á que a situação na segunda instância é diferente: o Procurador Regional da República (ou Procurador de Justiça) não ofereceu denúncia, não participou da instrução etc., e, por isso, exerceria semelhante munus mais isentamente. No entanto, a tese, além de questionável, dada a tendência natural de o colega de segunda instância se solidarizar com o de primeira, inclusive em razão da unidade da instituição, não justificaria, por si só, a intervenção em segundo grau, mesmo porque o dever de imparcialidade é comum a todos os seus membros, motivo pelo qual são passíveis de argüição de suspeição e impedimento (CPP, art. 104 e 112). Mais: a maior ou menor isenção é um atributo personalíssimo, que, como tal, varia de pessoa a pessoa, independentemente da posição em que é chamado a atuar.
Enfim, nas ações penais públicas, o Ministério Público é sempre titular da ação – logo, parte, obviamente -, não cabendo falar de fiscal da lei, interveniente ou similar, ao menos como pretexto para justificar posição processual autônoma, até porque a expressão “fiscal da lei”, que deve ser entendida como “fiscal da Constituição”, constitui expressão das mais vagas e que remete, em verdade, às próprias funções constitucionais e legais da instituição, e encerra, em última análise, uma tautologia10. Mais: o vocábulo “fiscal da lei” (generalíssimo), que é também sinônimo de controle de legalidade, notadamente da legalidade constitucional, constitui função de praticamente todos os órgãos do Estado e da administração pública, apesar da diversidade de competências: Congresso Nacional, Judiciário, Tribunais de Contas, Fazenda Nacional, Polícias etc.
Também por isso, é irrelevante a distinção – que não é de natureza constitucional, mas processual – entre parte e fiscal da lei, porque, ainda que eventualmente não seja parte num determinado processo, o Ministério Público é sempre fiscal do ordenamento jurídico, motivo pelo qual a sua intervenção judicial ou administrativa sempre terá essa qualidade como pressuposto lógico inevitável. Quando em juízo, ser fiscal da lei e ser parte significam uma só e mesma coisa: o Ministério Público quando é fiscal da lei, é parte; quando é parte, é fiscal da lei, ou seja, fiscal da Constituição.
Por tudo isso é que parece insustentável a intervenção do Ministério Público em segundo grau nas ações penais apenas como “custos legis”, posição inclusive que não raro ofende o contraditório e a amplitude da defesa. No futuro a atuação do MP como parecerista deve ser abolida, se é que de fato foi recepcionada pela Constituição. (QUEIROZ, Paulo. Crítica da intervenção do ministério público em segundo grau. Disponível em https://pauloqueiroz2.jusbrasil.com.br/artigos/121941910/critica-da-intervencao-do-ministerio-publico-em-segundo-grau, acesso em 05/03/2021).
[13] BRAYNER, Marcos Aurélio Pereira. Origem, desenvolvimento, uso e abuso do Habeas Corpus. Disponível em https://www.conjur.com.br/2012-set-07/marcos-brayner-origem-desenvolvimento-uso-abuso-habeas-corpus, acesso em 08/03/2021.
[14] […] Dispõe o art. 282, § 4º, do CPP, que, no caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva. Fica claro da redação do dispositivo que, em caso de descumprimento injustificado, a preventiva é a ultima ratio (derradeira trincheira) […](Habeas Corpus (criminal) n. 4011488-11.2018.8.24.0000, da comarca São Lourenço do Oeste (Vara Única), Quinta Câmara Criminal do TJSC, Rel. Des. Jorge Schaefer Martins, j. em 30 de maio de 2018). (sem grifo no original)
[15] HABEAS CORPUS. ART. 168, CAPUT, DA LEI N.º 11.101/2005. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS QUE EVIDENCIEM A CONFIGURAÇÃO DOS REQUISITOS PARA A MANUTENÇÃO DA CAUTELAR EXTREMA. PERICULUM LIBERTATIS NÃO DEMONSTRADO. MEDIDAS PROCESSUAIS MENOS INVASIVAS, PREVISTAS NO ART. 319 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUE SE MOSTRAM, POR SI SÓS, SUFICIENTES AO ACAUTELAMENTO DO PROCESSO E DA SOCIEDADE. LIMINAR RATIFICADA. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.
[…] 2. Além disso, de acordo com a microrreforma processual procedida pela Lei n.º 12.403/2011 e com os princípios da excepcionalidade (art. 282, § 4.º, parte final, e § 6.º, do Código de Processo Penal – CPP), provisionalidade (art. 316 do CPP) e proporcionalidade (arts. 282, incisos I e II, e 310, inciso II, parte final, do CPP), a prisão preventiva há de ser medida necessária e adequada aos propósitos cautelares a que serve, não devendo ser decretada ou mantida caso intervenções estatais menos invasivas à liberdade individual, enumeradas no art. 319 do Código de Processo Penal, mostrem-se, por si sós, suficientes ao acautelamento do processo e/ou da sociedade.
3. Vale ainda ressaltar que todos os cidadãos, sem exceções nem privilégios, têm a favor de si a presunção de inocência como princípio constitucional fundamental, de forma a assegurar-lhes o direito de aguardar em liberdade eventual formação da culpa. Excepcionalmente, admite-se a decretação da prisão processual, se for demonstrada a imprescindibilidade dessa medida cautelar extrema, que somente pode ser decretada como ultima ratio, nos termos inflexíveis previstos na Lei Processual Penal – repita-se, para acautelar o meio social e/ou econômico, resguardar a instrução criminal e assegurar a aplicação da lei penal.
[…] (STJ – HC: 572565 RS 2020/0085003-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 26/05/2020, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/06/2020). (sem grifo no original)
[16] EMENTA: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA.
1. Inexistindo pronunciamento colegiado do Superior Tribunal de Justiça, não compete ao Supremo Tribunal Federal, em regra, examinar a questão de direito discutida na impetração.
2. A jurisprudência do STF é no sentido de que “a prisão preventiva é a ultima ratio, a derradeira medida a que se deve recorrer, e somente poderá ser imposta se as outras medidas cautelares dela diversas não se mostrarem adequadas ou suficientes para a contenção do periculum libertatis (art. 282, § 6º, CPP)” (Inq 3.842-AgRsegundo-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli). No caso, o Juízo de origem decretou a prisão preventiva do paciente, porque “o acusado descumpriu as medidas cautelares que lhe foram impostas”. Prisão preventiva adequadamente fundamentada.
3. Agravo regimental desprovido. (Agravo Regimental no HABEAS CORPUS 175.361/ MINAS GERAIS, Primeira Turma do STF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. de 27 de março a 2 de abril de 2020).
[17] Art. 5º, caput e LVII da Constituição Federal.
[18] Um dos requisitos da prisão preventiva, elencado no art. 312 do CPP, de aspecto abstrato e extremamente controvertido na doutrina, embora seja usualmente identificado pela prática de atos violentos ou reiteração criminosa. A junção da diversidade de crimes com outras investigações em curso, busca preencher a exigência legal.
[19] Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (CP)
[20] Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorrequem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei. (Lei n. 11.343, de 23/08/2006).
[21] Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.
Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente. (CP)
[22] Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (Lei n. 12.850, de 02/08/2013).
[23] Artigo 1° – Caberá prisão temporária:
I – quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II – quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);
e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n. 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n. 6.368, de 21 de outubro de 1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n. 7.492, de 16 de junho de 1986). (Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989).
[24] Após as batalhas de Heracleia (em 280 A. C.) e (Ásculo, em 279 A.C.), o rei Pirro, ao felicitar seus generais pela vitória obtida contra os Romanos, verificando as enormes baixas sofridas por seu exército, teria dito que com mais uma vitória daquelas, estaria acabado. Isso fez com que a expressão “vitória de Pirro” passasse a ser utilizada para expressar conquista cujo esforço tenha sido penoso, ou vitória com ares de derrota.
[25] Consoante demonstraram as diversas reportagens divulgadas pelo site Intercept, repercutidas por vários órgãos de imprensa no país e no estrangeiro.
[26] Emb.Decl. no HABEAS CORPUS 193.726 PARANÁ, Rel. Min. Edson Fachin – STF, disponível em file:///C:/Users/Acer/Downloads/Decisa%CC%83o%20Fachin%20Lula%20-%20HC%20193726.pdf, acesso em 08/03/2021.
[27] Artigo 3° – Os presos temporários deverão permanecer, obrigatoriamente, separados dos demais detentos. (Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989).
[28] […] O reitor, Luiz Carlos Cancellier, foi entregue à carceragem, despido, checado em todos os orifícios de seu corpo, e acabou em cela de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Como se sabe, o pior tipo de cela – que faz tremer até Fernandinho Beira-Mar. Pelo impacto provocado na dessocialização do indivíduo, ou seja, na perda acentuada de sua capacidade de interação e de sociabilidade, o indivíduo sente aflorar o sentimento de abandono, isolamento, perda da cognição e chega à loucura.[…] (MARTINEZ, Vinício Carrillo. CANCELIER, Reitor da UFSC. A honra vale mais que a vida? Disponível em https://jus.com.br/artigos/68575/cancellier-reitor-da-ufsc, acesso em 07/03/2021).
[29] O substantivo feminino “convicção” faz parte do vocabulário oficial da força-tarefa da Lava Jato. Quem não se lembra do PowerPoint elaborado pelo procurador da República, Deltan Dallagnol, e sua “convicção” sobre a culpa do ex-presidente Lula? Exatamente um ano depois, 14 de setembro de 2017, a delegada da Polícia Federal, Erika Marena, uma das integrantes da operação, comandou em Florianópolis a Ouvidos Moucos, que prendeu, sem qualquer prova e sem direito a defesa, o então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier. Marena também mandou para a cadeia seis funcionários da universidade e 23 outros indiciados por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e peculato. À época, a delegada afirmou que a polícia agia com responsabilidade e não faria um pedido desses se não tivesse “a convicção de sua necessidade”. A luta da família do reitor Cancellier contra a delegada Erika Marena. Disponivel em https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-luta-da-familia-do-reitor-cancellier-contra-a-delegada-erika-marena/amp/?fbclid=IwAR0cOOFXBTKPPlHeipxN4uhEz3tFTnfARfb7f4x20w5TOYDSQyu1NpPZn2c, acesso em 07/03/2021). (sem grifo no original)
[30] Embora a exigência da fundamentação das decisões refira-se ao Poder Judiciário, como se observa do art. 93, IX da Constituição Federal e art. 312, § 2º e 564, IV do CPP, art. 2º, § 2º da Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a motivação de representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público também deve estar lastreada em previsões legais sob pena de serem iníquos e não poderem ser admitidos.
[31] […] Mas a reflexão não se esgota nesse ponto. Imperioso que se vá além, declarando-se a necessidade de restrição da amplitude que se busca dar ao princípio do livre convencimento do Juiz.
Ele inexiste como poder absoluto, arbitrário e imperial do julgador.
Todo o convencimento do magistrado há de estar fundado na prova, indicado na prova, explicitado na prova. Ao Juiz não é dado fazer elocubrações, inferir a ocorrência de fatos não provados, imaginar que pudesse ser de uma forma ou de outra. Sua função é eminentemente técnica, e na interpretação da prova está sujeito a limites e obrigações. […] (MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. A desconstrução da verdade real e do livre convencimento do juiz à luz da constituição de 1988. Disponível em https://www.juscatarina.com.br/2021/02/16/a-desconstrucao-da-verdade-real-e-do-livre-convencimento-do-juiz-a-luz-da-constituicao-de-1988-por-jorge-henrique-schaefer-martins/, acesso em 10/03/2021).
[32] Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. (Lei n. 12.850, de 02 de agosto de 2013).
[33] E não se diga que o crime do art. 2º, caput, da Lei n. 12.850 de 02 de agosto de 2013, “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa” seja idêntico ao previsto no § 1º do mesmo artigo, pois a conduta é diversa e somente há equiparação de penas.
[34] […] O primeiro aspecto a ser destacado é que o requisito contido no inciso III de seu art. 1º é obrigatório, isto significando que sem a presença de quaisquer dos crimes ali tratados, não se poderá cogitar da constrição judicial representada pela prisão temporária. Trata-se de rol de crimes taxativo e não exemplificativo implicando dizer que a autoridade (seja policial, integrante do Ministério Público ou do Poder Judiciário), não está autorizada a ampliá-lo, a estendê-lo analogicamente a outros crimes.
[…]
No tocante à prisão temporária outro aspecto merece ser considerado: Acompanha-se pela imprensa notícias do encaminhamento de presos temporários a estabelecimentos penais destinados a presos definitivos, em patente e abusiva ilegalidade, descumprindo a previsão contida no art. 3º da Lei 7.960/1989 que estabelece que os presos temporários deverão permanecer, obrigatoriamente, separados dos demais detentos. (MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prender ou não prender. “Em nome da inocência: JUSTIÇA” – tributo ao Reitor Luiz Carlos Cancelier de Olivo. Florianópolis: Insular e UFSC, novembro de 2017. Organizadores Jailson Lima da Silva; Lédio Rosa de Andrade e Sérgio Graziano. Pp. 33/44.
[35] AGACCI, Mathaus. O overcharging e o direito de ser bem acusado no processo penal brasileiro. Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-set-24/mathaus-agacci-overcharging-processo-penal-brasileiro, acesso em 02/03/2021.
[36] A instituição da barganha como método de solução dos Conflitos. Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em https://defensoria.rj.def.br/uploads/imagens/b8dead7bb04b4bbc8d8d720d5da499bc.pdf, acesso em 02/03/2021.
[37] SIQUEIRA JÚNIOR, Paulo Hamilton. Princípio da igualdade no processo penal. Disponível em https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/445/edicao-1/principio-da-igualdade-no-processo-penal#:~:text=No%20processo%20penal%2C%20as%20partes,desigualdade%20t%C3%A9cnica%20prejudique%20a%20defesa, acesso em 07/02/2021. (sem grifo no original).
[38] E aqui cabe crítica ao Supremo Tribunal Federal, que por intermédio de decisão de seu então Vice-Presidente Luiz Fux, datada de 20 de janeiro de 2020, sustou a aplicação da disposição legal que instituiu o Juízo de Garantias ao criar os arts. 3º-A a 3º-F no Código de Processo Penal, no bojo da Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, com posterior impedimento de cobrança de pronta apreciação pelo Plenário daquela Corte, em decisão da lavra do Min. Alexandre de Moraes. Como resultado, a apreciação pelo Plenário até hoje não ocorreu, e não há previsão de quando isso possa acontecer.
Brecou-se avanço significativo no processo penal, que somente viria em favor da implementação mais efetiva das garantias constitucionais do indivíduo contra o poder do Estado.
[39] […] O controle por um juiz das atividades relacionadas à apuração inicial dos crimes – aí incluídas as medidas de busca e apreensão; interceptação telefônica; quebra de sigilo fiscal e bancário; decretação de prisão temporária e mesmo preventiva; controle de legalidade das prisões; presidência da audiência de custódia -, mostra-se não só importante, como indispensável.
São inúmeras as ações exigidas, e concentrando-se o magistrado em tais atividades – ao contrário do que se pensa – maiores serão as perspectivas de elucidação de crimes por força de sua dedicação exclusiva ao tema.
Além disso, ter-se-á como a efetiva a consagração da garantia da observância dos direitos e garantias individuais preconizados na Constituição da República.
A crítica relativa às dificuldades de implementação, de outra parte, parecem pueris. O Conselho Nacional de Justiça impôs a efetivação das audiências de custódia, e para elas os Tribunais encontraram soluções. No âmbito da Justiça local (catarinense), criaram-se e funcionam varas com abrangência regional para a execução penal, como vara regional de apuração de crimes praticados por organização criminosa, sem que qualquer voz se tenha levantado.
O que impede que se utilizem as circunscrições e em cada uma delas exista um ou mais juízes com tal atribuição? Qual a razão de desconsiderar-se a possibilidade de se estabelecer uma competência ampliada para o juiz de garantias, preservando-se a competência específica para quem irá presidir o processo-crime? […] (MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Razões para referendar o juiz de garantias. Disponível em https://www.ferreiraschaefermartins.adv.br/single-post/2020/01/06/raz%C3%B5es-para-referendar-o-juiz-de-garantias, p. 4, acesso em 06/03/2021.
[40] Disponível em file:///C:/Users/Acer/Downloads/Voto-Vista%20MGM%20HC%20164.493%20-%20Resumo%20para%20leitura.pdf, p. 4, acesso em 09/03/2021. (sem grifo no original)
[41] Disponível em file:///C:/Users/Acer/Downloads/Voto-Vista%20MGM%20HC%20164.493%20-%20Resumo%20para%20leitura.pdf, p. 7. acesso em 09/03/2021. (sem grifo no original)
[42] Disponível em file:///C:/Users/Acer/Downloads/Voto-Vista%20MGM%20HC%20164.493%20-%20Resumo%20para%20leitura.pdf, pp. 68/69, acesso em 09/03/2021. (sem grifo no original)
[43] RODRIGUES, Fabiana Alves. LAVA JATO. Aprendizado institucional e ação estratégica na justiça. Op. Cit., p. 264. (sem grifo no original)
[44] Não há qualquer excesso de prisão preventiva no Brasil”, defende Moro. (INFOPEN 2019, disponível em https://www.conjur.com.br/2020-fev-15/nao-qualquer-excesso-prisao-preventiva-brasil-moro, acesso em 06/03/2021).
[45] Brasil tem 710 mil presos em cadeias que comportam 423 mil; 31% não foram julgados. Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2020/02/19/brasil-tem-710-mil-presos-em-cadeias-que-comportam-423-mil-31-nao-foram-julgados, acesso em 06/03/2021.
[46] Há hoje 710 mil presos para uma capacidade total de 423 mil, um déficit de 287 mil vagas no Brasil – menor que o do último levantamento. O total não considera os presos em regime aberto e os que estão em carceragens de delegacias da Polícia Civil. Disponível em https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/02/19/em-um-ano-percentual-de-presos-provisorios-cai-no-brasil-e-superlotacao-diminui.ghtml, acesso em 10/03/2021).
[47] “O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, fez duras críticas ao sistema prisional do País ao lançar um programa de contratação de presos e ex-presidiários para trabalhar em órgãos da Justiça Eleitoral, nesta terça-feira, 24.
Para ele, a situação é “caótica” e a justiça criminal tem se mostrado, ao longo dos anos, “caduca e ineficiente”. Ele citou como exemplo a rebelião que aconteceu no último fim de semana em um presídio no Ceará, que deixou ao menos 14 mortos.
Gilmar disse que a iniciativa de contratar presos e egressos do sistema presidiário tem como objetivo dar oportunidade para que as pessoas tenham uma vida normal e não voltem a praticar crimes. “O Projeto Começar de Novo representa substancial marco no conjunto de medidas direcionadas a transformar a realidade da situação prisional, porque voltado, verdadeiramente, ao treinamento e à capacitação profissional dos egressos, de modo a lhes facilitar um caminho de volta à sociedade”, disse. (Gilmar Mendes diz que sistema prisional do País é ‘caótico’. Disponivel em https://istoe.com.br/gilmar-mendes-diz-que-sistema-prisional-do-pais-e-caotico/, acesso em 06/03/2021).
[48] A conexão se evidencia na ligação entre múltiplos fatos delituosos. Ocorre, portanto, no âmbito objetivo, recaindo sobre os eventos em si, e não necessariamente sobre as pessoas envolvidas. Considerando a proximidade dos atos delituosos, é pertinente o julgamento conjunto pelo mesmo Juízo, pois as oportunidades probatórias e instrutórias serão mais eficientes. O art. 76, do CPP, trata da questão, enumerando hipóteses a seguir descritas. (VICTOR, Augusto. Conexão e continência no processo penal. Disponível em https://indexjuridico.com/conexao-e-continencia/, acesso em 02/03/2021).
[49] […] Cada um dos atores envolvidos no processo tem função determinada: a acusação (nas ações penais de iniciativa pública ao encargo do Ministério Público) de oferecer a peça acusatória e provar, iniludivelmente, a ocorrência (materialidade se for o caso), autoria (“lato sensu”) e culpabilidade; à defesa compete meramente suscitar a dúvida, ou quando possível (sem a isso estar obrigada) demonstrar a inocência; ao Juiz, dirigir de forma isenta o processo, não se vincular à nenhuma tese, e manter-se equidistante das partes, a quem deverá dar tratamento igualitário.
As obrigações são idênticas quanto à observância de prazos, cumprimento de obrigações, submissão aos comandos legais exarados.
Todo esse comentário faz com se reconheça a elevada probabilidade de reconhecimento de invalidade das ações processuais havidas no âmbito das operações levadas a efeito pela Força Tarefa da Lava Jato, ante o beneplácito, apontada colaboração e mesmo orientação do então Juiz Sérgio Moro, salientando-se que tais processos, infelizmente, não se mostram como os únicos em que se verifica “simpatia judicial” pelas pretensões persecutórias.
Há quem erradamente censure o “rigor” que se cobra na exigência do cumprimento das normas constitucionais, quando o erro está em relativizá-las para privilegiar o órgão acusatório.
O equívoco é abissal! A observância da Constituição não é faculdade, não é liberalidade, não é preciosismo. É obrigação!
No caso mencionado, dando-se o reconhecimento de nulidade de todos os atos (o que me parece ser a opção mais acertada) ou mesmo a anulação de atos determinados, a culpa recairá indubitavelmente naqueles que acharam por bem trilhar caminho próprio, estabeleceram (?) suas regras, pondo-se acima do que o ordenamento jurídico prevê, dando azo a esse resultado. (MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. A desconstrução da “verdade real” e do “livre convencimento do juiz” à luz da constituição de 1988. Disponível em https://www.juscatarina.com.br/2021/02/16/a-desconstrucao-da-verdade-real-e-do-livre-convencimento-do-juiz-a-luz-da-constituicao-de-1988-por-jorge-henrique-schaefer-martins/, acesso em 06/03/2021). (sem grifo no original).
[50] “Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela”.
[51] Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
§ 1o Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou a representação
§ 2o O prazo para o aditamento da queixa será de 3 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos, e, se este não se pronunciar dentro do tríduo, entender-se-á que não tem o que aditar, prosseguindo-se nos demais termos do processo.
[52] MACHADO, André Augusto Mendes. Investigação criminal defensiva. São Paulo: RT, 2010, p. 119.
[53] Dentre seus vários escopos, a investigação defensiva se presta a permitir a coleta de elementos que forneçam a construção de teses defensivas baseadas em certos fatos; favorecer a aceitação dessas teses defensivas; permitir a formação de um percurso defensivo no processo quando o agente tenha parcela de responsabilidade pelo fato praticado; desanuviar a percepção da defesa quanto à oportunidade e conveniência na aceitação de institutos despenalizadores; antecipar a visualização de futuras colidências de defesa entre acusados; refutar a validade de provas produzidas pela acusação; ou até mesmo na própria elucidação da conduta criminosa, nesse caso, situação mais comum quando a vítima quiser participar da apuração por meio de investigação própria.
A partir desses objetivos, a defesa realiza diligências com o propósito exclusivo de identificar elementos que possam favorecer a sua situação jurídica, sem a necessária preocupação com a apuração da verdade. Poderá, entretanto, agir imbuída no espírito de clarificação da verdade, trazendo ao conhecimento da acusação informações negligenciadas pelos órgãos de Polícia Judiciária. (SILVA. Franklyn Roger Alves. Investigação defensiva é direito decorrente das regras do ordenamento jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-fev-19/tribuna-defensoria-investigacao-defensiva-direito-decorrente-ordenamento-juridico, acesso em 11/03/2021).
[54] Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;
II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado,
§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.
§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.
§ 3º Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, para se manifestar no prazo de 5 (cinco) dias, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo, e os casos de urgência ou de perigo deverão ser justificados e fundamentados em decisão que contenha elementos do caso concreto que justifiquem essa medida excepcional. (CPP).
[55] Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (CPP)
[56] Ampla defesa e contraditório no inquérito policial? Disponível em https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/697152726/ampla-defesa-e-contraditorio-no-inquerito-policial, acesso em 02/03/2021.
[57] A continuidade delitiva é, na sistemática penal brasileira, uma criação puramente jurídica. Espécie de presunção, a implicar verdadeiro benefício àqueles que, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar de execução, praticam crimes da mesma espécie. Isso porque, nada obstante a quantidade de condutas cometidas pelo agente, a lei presume a existência de um crime único. (HC 98647 / RS — RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. Carlos Britto, Julgamento: 13/10/2009, Órgão Julgador: Primeira Turma, STF, Publicação: DJe-218, PUBLIC 20-11-2009).
[58] Deveres éticos do Ministério Público. Disponível em https://central.faap.br/video_blog_direito/pdf/deveres_eticos_do_ministerio_publico.pdf, acesso em 02/03/2021. (sem grifo no original)
[59] ROSA, Alexandre Morais da. A investigação criminal é o novo palco do processo penal. Disponível em https://www.conjur.com.br/2016-set-30/limite-penal-investigacao-criminal-palco-processo-penal, acesso em 12/03/2021.
[60] […] Importante dizer que não estamos falando de neutralidade e Zaffaroni bem diz que juiz não pode ser alguém neutro, porque não existe neutralidade ideológica. “É insustentável pretender que um juiz não seja cidadão, que não participe de certa ordem de idéias, que não tenha uma compreensão do mundo, uma visão da realidade. Não é possível imaginar um juiz que não a tenha, simplesmente porque não há homem que não a tenha.”
A neutralidade é um mito, mas a imparcialidade é dever.
O juiz deve se colocar entre as partes e manter a mesma distância entre ambas, que têm direito a ter as mesmas oportunidades processuais e serem tratadas de forma absolutamente igualitária. Cada uma das partes tem um papel próprio a cumprir na relação processual, de modo que não pode ocorrer substituição e nem compartilhamento. Exercem funções inconciliáveis: quem acusa ou quem defende não julga e vice-versa.
Se o processo for julgado por juiz parcial não teremos um julgamento, mas uma fraude, pois a imparcialidade compõe a própria jurisdição, não restando outra alternativa senão reconhecer que aqueles atos não têm qualquer valor.
Juiz que atua com parcialidade corrompe a jurisdição e mancha o Poder Judiciário. Não se trata de uma questão que alcança exclusivamente as partes. Estas são diretamente atingidas, mas a atuação parcial afeta o Poder e a democracia. […] (BOUJIKIAN, Kenarik. Neutralidade é um mito, mas a imparcialidade do juiz é um dever. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-jul-29/escritos-mulher-neutralidade-mito-imparcialidade-juiz-dever, acesso em 06/03/2021).
[61] (Excerto do voto proferido pelo Min. Néfi Cordeiro no HC 0128782-07.2019.3.00.0000 RJ 2019/0128782-2, Sexta Turma do STJ, Rel. Min. Saldanha Palheiro, j. em 14 de maio de 2019, DJe 30/05/2019). (sem grifo no original)
[62] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Para entender standards probatórios a partir do salto com vara: um complemento. Disponível em https://www.conjur.com.br/2020-mar-27/limite-penal-standards-probatorios-partir-salto-vara-complemento, acesso em 11/03/2021. (se grifo no original)
[63] JARDIM, Afrânio Silva. O princípio da verdade real no processo penal: uma explicação necessária. Disponível em https://emporiododireito.com.br/leitura/o-principio-da-verdade-real-no-processo-penal-uma-explicacao-necessaria, acesso em 11/03/2021.
[64] […] As duas ações em que Edson Fachin emitiu decisão e Gilmar Mendes proferiu voto, apesar de formalmente separadas, tratam do mesmo tema.
Na aparência, a conduta ilegal e persecutória de Sergio Moro nos processos com que retirou o candidato Lula da Silva (39% das preferências) da disputa pela Presidência em 2018, encaminhando a eleição de Bolsonaro (18%). A rigor, o que está na essência das ações judiciais é uma operação de interferências distorcivas no processo eleitoral que comprometeram, por inteiro, a legitimidade de uma eleição presidencial.
Nem Sergio Moro é “caso de suspeição”, nem a ocupação da Presidência por Bolsonaro, mesmo que vista como legal, tem legitimidade.
O que já é conhecido —e falta muito— das violações do Código de Processo Penal, da Lei Orgânica da Magistratura e da própria Constituição na conduta judicial de Sergio Moro não suscita suspeita, que é dúvida: induz certeza. São fatos. Não retidos em memória, mas em diferentes registros comprovadores e consultáveis, muitos de longo conhecimento em tribunais e em parte da população.
A torrente desses fatos no voto de Gilmar Mendes sufoca qualquer dúvida sobre sua caracterização: são atos deliberados, planejados, combinados, marginais às normas e à moralidade judicial. […] (FREITAS, Janio de. Na Lava Jato, Justiça com injustiça é impostura – o que já é conhecido na conduta de Moro não gera suspeita, induz certeza. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/03/na-lava-jato-justica-com-injustica-e-impostura.shtml, acesso em 14/03/2021).
[65] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, arantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
[66] Art. 5º […]
LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
[67] Art. 5º […]
LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;