Há muito se discute a questão da superlotação carcerária, bem como da insalubridade, precariedade e desumanidade do sistema penitenciário brasileiro.
Inclui-se nesse caótico sistema não apenas as penitenciárias, mas também os presídios pátrios, sendo abrigados nestes últimos uma enorme quantidade de presos provisórios, encarcerados cautelarmente sem que haja decisão definitiva, ou seja, sem trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Com a eclosão da barbárie no complexo penitenciário de Pedrinhas no Maranhão, expõe-se publicamente o descaso estatal e o abandono de anos – a falta de investimentos no setor, carência de pessoal, de material, de equipamentos, entre outros – responsabilidade dos gestores públicos que dirigem o estado mais pobre do país, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)[1], e que, enquanto isso, licitam valores expressivos em champanhe e caviar.
Ergástulos onde dezenas de pessoas amontoam-se em cubículos de seis metros quadrados, destinados a um único indivíduo[2], revezando-se para dormir em ambientes sem a mínima salubridade e higiene, isto é, verdadeiras masmorras medievais, permitidas pelo Poder Público em pleno século XXI.
Apenas a título comparativo, grosseiramente falando, se alguém confinar animais e tratá-los como o Estado trata os presos é processado por crime ambiental inafiançável, enquanto isso o descaso público em relação aos detentos é cotidiano, passando a ser considerado normal. Nos dizeres da Ministra do STJ Maria Thereza de Assis Moura[3]: “a falta de consideração com a dignidade humana é notória”.
Não fossem as precárias e degradantes condições dos estabelecimentos prisionais, ainda existe a odiosa tortura, as agressões e os maus tratos constantemente praticados por agentes públicos, cuja impunidade é patente e preocupante, consoante verificou o Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da ONU, em relatório elaborado no ano de 2012[4].
Em meio a tamanha crise institucional, há tempos conhecida de todos, os meios de comunicação de massa insistem em desviar o foco dos gravíssimos problemas enfrentados, bombardeando incansavelmente os telespectadores com realitys shows, novelas e programas fast food sem qualquer cunho cultural ou educativo, inebriando-os e impedindo que reflitam minimamente sobre as questões atuais importantes.
A par dessa programação ludibriante e de baixíssima qualidade descaradamente imposta pela mídia em horários nobres, mais uma vez pretende-se desviar a atenção do que realmente tem importância e merece estudo, reflexão e ações concretas, para um fenômeno social observado nos últimos dias, incentivado pelas redes sociais e em grande parte pela própria mídia, através de seus veículos de comunicação sensacionalistas, os alcunhados “rolezinhos”.
Nota-se nitidamente uma supervalorização dos noticiários no que diz respeitos aos “rolezinhos” ocorridos nos shoppings centers em detrimento da barbárie ocorrida no Maranhão e do caos em que se encontra o sistema prisional pátrio.
Gostaríamos de acreditar que essa inversão de valores constitui mera coincidência.
Todavia, seria ingenuidade pensar nesse norte, uma vez que os meios de comunicação, de forma geral, com o alcance que possuem na sociedade, poderiam encampar sérias e comprometidas discussões acerca do tema. As discussões, quando existentes, são superficiais e limitam-se sobre como resolver o problema já instalado, não se propondo a debater qual a origem de tanta violência.
Portanto, a conclusão a que se chega é que, conscientemente ou não, a mídia encerra por desviar a atenção dos espectadores sobre os desmandos e o desprezo cotidianamente praticados por governantes na gestão da segurança pública e carcerária, para questões supérfluas e de somenos importância, inexistido assim, vontade política tanto por parte dos dirigentes públicos como dos detentores meios de informação em enfrentar os problemas que envolvem o caos do sistema prisional brasileiro.
[1]Disponível em: http://www.pnud.org.br/IDH/Atlas2013.aspx?indiceAccordion=1&li=li_Atlas2013. Acesso em 20 jan 2014.
[2] Artigo 88 da Lei 7.210/84.
[3]MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis apud NUNES, Adeildo. Da Execução Penal, 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p.311/312.
[4]Disponível em: http://www.onu.org.br/img/2012/07/relatorio_SPT_2012.pdf. Acesso em 20 jan 2014.