Como se sabe, a transação penal, a suspensão condicional do processo, o acordo de não persecução penal e a colaboração premiada estão inseridos dentro do sistema de justiça penal consensual como os principais institutos despenalizadores no âmbito criminal, expandindo a justiça negocial dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
O objetivo do presente artigo é analisar de forma minuciosa o conceito de habitualidade para fins de aplicação do acordo de não persecução penal, para que possamos melhor refletir em cada caso fático e concreto e concluir se realmente há possibilidade do referido instituto ser recusado pelo Ministério Público ou seu uso descartado pelo advogado, diante de uma possível configuração de habitualidade do acusado.
Inicialmente, no que tange às previsões de impossibilidade de aplicação do acordo de não persecução penal, prevê o art. 28-A, § 2º, II: “Se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas.”
Conforme observa-se no inciso supracitado, fala-se em “conduta habitual”, que deve ser diferenciada de “crime habitual”. Nesse sentido, Renato Brasileiro explica que [1] O conceito de criminoso habitual (habitualidade criminosa ou reiteração delituosa) não se confunde com o de crime habitual. Neste, o delito é único, figurando a habitualidade como elementar do tipo. É o que ocorre, por exemplo, com o delito de casa de prostituição (CP, art. 229). Na habitualidade criminosa, há pluralidade de crimes, sendo a habitualidade uma característica do agente, e não da infração penal. No crime habitual, a prática de um ato isolado não gera tipicidade, ao passo que, na habitualidade criminosa, tem-se uma sequência de atos típicos que demonstram um estilo de vida do autor, ou seja, cada um dos crimes anteriores já é suficiente de per si para a caracterização da lavagem, sendo que o conjunto de delitos autoriza o aumento da pena. Conduta criminal reiterada, por sua vez, é aquela que é repetida, renovada
Ou seja, em que pese as nomenclaturas pareçam passar despercebidas, ou ainda provoquem o leitor a concluir que não há nenhuma diferença nos dois termos, os conceitos não possuem nenhuma semelhança. A conduta criminal habitual trata-se de um próprio estilo de vida que o agente ostenta, com o cometimento de diversos fatos típicos, servindo quase como um ofício ou profissão.
Diferentemente do caso do crime habitual o agente pratica um conjunto de atos sucessivos, ocasionando em um único fato típico. Um grande exemplo seria a gestão fraudulenta prevista no art. 4° da Lei n° 7.492/86, que dispõe sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional. Assim, partindo desse pressuposto, inicialmente conclui-se pela possibilidade de aplicação do acordo de não persecução penal no crime habitual, ante a ausência de infração penal pretérita.
Ao observarmos a parte final do mesmo inciso, percebemos que há uma exceção no seguinte contexto, conforme o seguinte recorte: “exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas.”. Ou seja, é possível concluir que a intenção do legislador foi de fato referir-se aos crimes de menor potencial ofensivo, previstos na Lei 9.099/95. Digo isso pois não faria sentido algum uma possível analogia realizada pelo legislador para referir-se a crimes em que caberia ou já teria sido aplicado o princípio da insignificância, o que consequentemente afastaria a tipicidade material do delito, tornando o fato atípico.
Portanto, importante frisar que o acordo de não persecução penal é aplicável aos crimes cometidos de forma habitual, bem como diante de uma possível reiteração de cometimento de infrações de menor potencial ofensivo previstos na Lei 9.099/95, sem que configure uma habitualidade delitiva para fins de aplicação do referido instituto.
Apesar de não ser possível a aplicação do acordo de não persecução penal quando há uma habitualidade delitiva, é bom ressaltar a ausência de conclusão do legislador quanto a quantidade de delitos praticados necessários para a configuração da referida habitualidade. Ainda, vale as seguintes provocações: bastariam investigações em curso, denúncias oferecidas ou sentenças condenatórias (recorríveis ou não) para configurar habitualidade? Ou ainda, se é permitido o oferecimento do acordo de não persecução penal em crimes de menor potencial ofensivo, independente da habitualidade, é válido o impedimento do art. 28-A, § 2º, III pelo simples fato de que decorrente do cometimento do crime de baixo potencial ofensivo o agente tenha sido beneficiado pela transação penal e/ou a suspensão condicional, principalmente pelo fato de serem institutos despenalizadores mais brandos e destinados a crimes de menor gravidade?
Vale a reflexão.
Referências:
[1] LIMA, Renato Brasileiro de Manual de Processo Penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020 – p. 281.