Para a compreensão do tema, imaginemos a seguinte conduta: “A” decide cometer um furto, e arromba o vidro da porta do motorista de um veículo estacionado na via. Assim, “A” adentra no veículo e retira de seu interior, os bens que considerava de valor. Incide na conduta de “A” a qualificadora de rompimento de obstáculo, ou, considera-se o furto simples?
Assim, necessário se faz analisar as penas aplicadas para quem furta um automóvel e para quem furta os bens que estavam no interior do mesmo. O agente delituoso que optar por furtar a primeira opção, pode receber como pena 1 (um) a 4 (quatro) anos de prisão, já quem optar por apenas furtar os bens do interior do automóvel, pode receber como pena de 2 (dois) a 8 (oito) anos.
E é na análise da quantidade de anos aplicada ao agente delituoso que se encontra a problemática do caso, pois como pode alguém furtar um bem de maior valor (carro) e receber uma pena menor, do que alguém que furta um bem de menor valor (bolsa)?
Desta forma, observa-se que há uma inversão de valores feita pelo nosso Código Penal, já que serve de incentivo ao criminoso, furtar o carro com tudo que tem dentro (bem de maior valor), pois se quebrar o vidro e furtar uma bolsa (bem de menor valor) irá passar mais tempo dentro do sistema carcerário, já que a pena aplicada à segunda hipótese é maior.
Outro ponto que deve ser salientado é a questão de o Código Penal punir mais rigorosamente a conduta que causa menor prejuízo a vítima, e não a conduta que causa maior prejuízo (furtar o carro integralmente).
Portanto, diante destas incoerências legislativas, utiliza-se para solucionar o caso de maneira equânime, a Constituição da República, a qual adota implicitamente o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, tornando imprescindível tanto ao legislativo, quanto ao judiciário, observar atentamente estes princípios antes de qualquer elaboração de lei ou decisão, respectivamente, pois eles precedem e condicionam a positivação jurídica, servindo de regra para toda interpretação no âmbito do direito.
Destaca-se, que para analisar qualquer ato baseado nos princípios ora discutido, é necessário o preenchimento de três elementos: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
No caso do furto qualificado pelo rompimento de obstáculo em questão, existe necessidade, adoção de medida que aufere punição ao crime; porém não há adequação e muito menos proporcionalidade em sentido estrito, já que inexistente ao caso a máxima efetividade e a mínima restrição da conduta praticada.
Neste sentindo, não pode haver outra maneira que não seja considerar a conduta, ora discutida, como sendo caso de furto simples, haja vista não ser prudente, condenar alguém que furte um bem no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) à pena máxima de 8 (oito) anos e alguém que furte um carro (que vale muito mais do que R$ 200,00) receber uma pena de no máximo 4 (quatro).
E é de acordo com esta interpretação que o Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina e o Superior Tribunal de Justiça vêm decidindo, como nos julgados abaixo:
[…] ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. ACUSADO QUE RETIRA O PARA-BRISA E FURTA A FRENTE DO SOM DO VEÍCULO DA VÍTIMA. CONDUTA DE MENOR REPROVAÇÃO EM RELAÇÃO AO FURTO DO PRÓPRIO AUTOMÓVEL, CUJA PENA EM ABSTRATO SERIA MENOR. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA QUALIFICADORA NO CASO CONCRETO. (Apelação Criminal n. 2011.091849-5, de Lages, Relator: Des. Jorge Schaefer Martins, Quarta Câmara de Direito Criminal).
[…] 1. Não se mostra razoável considerar o furto qualificado quando há rompimento do vidro do veículo para subtração do som automotor, e considerá-lo simples quando o rompimento se dá para subtração do próprio veículo, razão pela qual deve se dar igual tratamento a ambos, considerando-se-os, portanto, como furtos simples […] (Agravo Regimental em Recurso Especial n. 922.395/SP, rela. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, Superior Tribunal de Justiça).
Diante do exposto, torna-se incabível a condenação por furto qualificado ao agente que subtrai um bem do interior do carro por arrombamento, já que não se pode conceber que uma conduta menos gravosa receba uma punição mais rigorosa, ao passo que a conduta mais grave receba um menor grau de reprovabilidade.
REFERÊNCIAS
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 4. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, pg.142-143.
MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado: parte especial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011. vol. 2, pg. 331.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, pg. 392.
MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal, volume 2: Parte especial, arts. 121 a 234-B do CP. 28 ed. rev. e atual. até 4 de janeiro de 2011. São Paulo: Atlas, 2011.