Na semana que passou o Pleno do Supremo Tribunal Federal julgou mais um caso em que havia sido reconhecida a repercussão geral, o Recurso Extraordinário nº 453000 (acórdão ainda não publicado). A questão dizia respeito ao instituto da reincidência, previsto em nosso Código Penal no artigo 61, inciso I.
O principal argumento do recurso era que o agravamento da pena pela reincidência configurava bis in idem, pois o individuo estaria sendo duplamente penalizado pelo mesmo crime, ou seja, por aquele delito que já havia cumprido pena.
O recurso foi rejeitado a unanimidade sob argumentos que a nosso sentir não convencem, dentre eles, de que “as repercussões legais da reincidência são diversas e não se restringem à questão do agravamento da pena. Por essa razão, caso a regra fosse considerada inconstitucional, haveria o afastamento de diversas outras implicações que usam a reincidência como critério”e ainda que “leva-se em conta, justamente, o perfil do condenado, o fato de haver claudicado novamente, distinguindo-o daqueles que cometem a primeira infração penal”.
Afirmou-se também que “a regra é uma forma de se tratar igualmente os iguais, deixando a desigualdade para os desiguais. Finalmente destacou-se que a pena tem finalidade ressocializadora e preventiva, de modo que o condenado que volta a cometer novo crime demonstra que a pena não cumpriu nenhuma dessas finalidades”.
É lamentável que o STF,que vinha tomando decisões com entendimento de vanguarda em muitas áreas, a exemplo da união homoafetiva e das ações afirmativas de inclusão social, utilize-se de argumentos retrógrados, arcaicos e superados para julgar matéria de tamanha relevância, referendando o Código Penal de 1940, de consabida inspiração fascista, em detrimento da Constituição Federal de 1988, de salutar natureza garantidora.
Perdeu-se a oportunidade de, mais uma vez, demonstrar que o nosso Tribunal Maior está na dianteira no tocante a questões relacionadas aos direitos fundamentais, retroagindo em discussão de tanta envergadura.
O STF tem competência não só para declarar inconstitucional parte de lei, como para declarar que dispositivos legais não tenham sido recepcionados pela Constituição Federal por ferirem preceito fundamental.
No caso específico deixou de adequar ao texto constitucional o instituto da reincidência, ao declarar a constitucionalidade do dispositivo legal que aumenta a pena de um delito se o agente for considerado reincidente (art. 61, I, do CP), emprestando interpretação totalmente contrária ao direito penal do fato, albergando o vetusto direito penal do autor, de raiz nazista, que fere a dignidade humana por apenar a pessoa pelo que ela é ou foi, e não pelo ato que praticou, reafirmando o caráter seletivo do sistema penal pátrio.
É indiscutível que enquanto o Estado brasileiro não cumprir com suas obrigações constitucionais de concretização dos direitos fundamentais sociais, não se pode falar em tratar desigualmente os desiguais, muito menos em finalidade ressocializadora e preventiva da pena de prisão, e caberia ao nosso Tribunal Constitucional, com base na realidade nacional, adequar nossas leis à Constituição.
Mais uma vez, portanto, os direitos fundamentais perderam para a visão anacrônica.