Entrou em vigor no último mês de novembro no Estado do Mato Grosso a Lei estadual nº. 10.315/15, que cria o denominado Cadastro Estadual de Pedófilos.
Para o autor do projeto, deputado Airton Português, o objetivo desta novel legislação é compilar os dados de criminosos sexuais em um banco de dados estadual, abrindo um ponto de partida para investigações policiais e permitindo o monitoramento destes tipos de delitos “silenciosos” por parte das autoridades e da comunidade.
Segundo o art. 3º. da Lei 10.315/15, o Cadastro Estadual de Pedófilos do Estado do Mato Grosso será constituído com os dados pessoais e foto de suspeitos, indiciados ou condenados por quaisquer crimes sexuais contra a dignidade sexual previstos na legislação penal em relação a crianças e adolescentes.
O Cadastro será criado, atualizado e mantido pela Secretaria de Estado de Segurança Pública – SESP, sendo as informações nele inseridas disponibilizadas em um sítio eletrônico que pode ser consultado, nos termos do art. 4º da referida lei, por qualquer internauta ou autoridades policiais e investigativas interessados.
Embora o tema não seja necessariamente novo[1], vez que existe em São Paulo um banco de dados para criminosos sexuais e tramita no Congresso Federal uma proposta legislativa para organizar um cadastro de pedófilos de abrangência nacional, esta é a primeira que uma ferramenta desta espécie será disponibilizada ao público.
A lei 10.315/15, de maneira inédita, reproduz no Brasil parte do que prevê a legislação estadunidense conhecida como “Lei de Megan”[2], que impõe a obrigação de todos os entes federados dos Estados Unidos da América de organizar e manter um banco de dados de criminosos sexuais, notificando a comunidade sempre que algum agressor sexual passar a residir na vizinhança.
Por ter entrado em vigor há pouco menos de 1 (um) mês, ainda é muito cedo para investigar as conseqüências práticas de uma lei desta natureza no território brasileiro.
Entretanto, inúmeros estudos acadêmicos realizados nos Estados Unidos desde 1994, data em que a “Lei de Megan” foi aprovada e entrou em vigor, concluem que os bancos de criminosos sexuais acessíveis ao público, ao contrário de cumprir a sua função declarada de preservar a comunidade e reduzir a ocorrência de delitos sexuais, criam uma falsa sensação de segurança e acabam por aumentar a reincidência delitiva das pessoas já condenadas e a impunidade dos infratores, ao passo que estimulam uma maior resistência das vítimas para denunciarem seus algozes, que geralmente são amigos, familiares e parentes próximos.
É o que concluiram Kristen Zgoba, Philip Witt, Melissa Dalessandro e Bonita Veysey ao estudarem o impacto da Lei de Megan:
“Apesar de a legislação ser amplamente apoiada pela comunidade, há poucas evidências e dados, incluindo este estudo, que apoioem o fato de que a Lei de Megan é eficaz na redução da reincidência e da ocorrência de novos crimes sexuais”. (tradução livre do autor)[3]
Jill Porter, por sua vez, complementa:
” Mas, infelizmente, a lei não pode realmente fazer isso. Ao invés disso, ela cria uma falsa sensação de segurança e nos distrai da realidade de que nossas crianças estão muito mais ameaçadas por seus amigos e familiares do que por estranhos com antecedentes criminais. O fato é que, apesar de casos notórios como o de Megan atrairem mais atenção, as crianças são mais abusadas sexualmente por parentes e amigos de confiança do que por estranhos à espreita”. (tradução livre do autor) [4]
Outro ponto negativo deste tipo de lei, segundo os estudiosos do tema nos Estados Unidos, é despertar no cidadão comum uma série de comportamentos socialmente nocivos, a exemplo do viligantismo, que culmina na perseguição, agressão e as vezes até mesmo na morte das pessoas que são acusadas ou condenadas por crimes sexuais e que, por força deste tipo de mecanismo, têm sua identidade exposta em público para toda a comunidade.
Nesse sentido, pontua Margie Druss Fodor:
“Quando as pessoas descobrem a identidade de molestadores, a situação pode ficar perigosa. Alguns criminosos sexuais cujas identidades acabaram reveladas pela Lei de Megan foram ameaçados, agredidos fisicamente e forçados a abandonarem seu lar e emprego”. (tradução livre do autor) [5]
A lei, embora num primeiro momento encontre-se restrita ao estado do Mato Grosso, merece especial atenção de toda a sociedade brasileira, principalmente da comunidade jurídica, por possuir índole constitucional bem questionável, vez que, numa análise superficial, viola de morte, dentre outras garantias previstas e protegidas pela Carta Cidadã, a privacidade, a presunção de inocência e a dignidade humana.
Vale lembrar que o mencionado projeto de lei foi objeto de controle preventivo de constitucionalidade durante a sua tramitação pelo Parlamento mato-grossense, tendo sido vetado em 2014 pelo governador Silvar da Cunha Barbosa, sob o fundamento de que, nos termos do art. 39, Parágrafo Único, II, da Constituição Estadual, a iniciativa de leis que versam sobre as atribuições das Secretarias Estaduais compete privativamente ao Governador do Estado.
O veto, contudo, foi derrubado pelos parlamentares e a lei foi aprovada, entrando em vigor no último dia 14 de novembro, não havendo notícia até a presente data de que o referido banco de dados tenha sido instituído, regulamentado ou disponibilizado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública.
Referências
ROSA, Alexandre Morais da. CHERUBINI, Gabriela Minatto. Agressores Sexuais. Uma Lei de Megan for Brazil vale a pena?. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/agressores-sexuais-uma-lei-de-megan-for-brazil-vale-a-pena-por-alexandre-morais-da-rosa-e-gabriela-minatto-cherubini/ Acesso em 9 dez 2015
HEIL, Danielle Mariel. Lei de Megan nos EUA – Pânico e consultas frenéticas: Combate ativo e suficiente? . Disponível em: http://emporiododireito.com.br/lei-de-megan-nos-eua-panico-e-consultas-freneticas-combate-ativo-e-suficiente-por-danielle-mariel-heil/ Acesso em 9 dez 2015
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MATO GROSSO. Lei nº 10.315, de 15 de setembro de 2015. Disponível em: http://www.al.mt.gov.br/storage/webdisco/leis/lei_13626.pdf. Acesso em 9 dez 2015
FODOR, MARGIE. Megan’s Law: Protection or Provacy, Issues in Focus. EUA Enslow Publishers, 2001
ZGOBA, Kristen. WITT, Philip. DALESSANDRO, Melissa. VEYSEY, Bonita. Megan’s Law: Assessing the Practical and Monetary Efficacy. Disponível em: https://www.ncjrs.gov/App/publications/Abstract.aspx?id=247350. Acesso em 9 dez 2015
PORTER, Jill. The danger of Megan’s Law: Giving Parents false sense of security. Disponível em: <https://news.google.com/newspapers?id=QOgyAAAAIBAJ&sjid=vAcGAAAAIBAJ&hl=pt-BR&pg=2335%2C1198555>. Acesso em 9 dez 2015.
[1] Este tema é objeto de trabalho acadêmico atualmente desenvolvido pelo autor do artigo, sob a supervisão e orientação do professor Doutor Alexandre Morais da Rosa.
[2] Para maiores informações sobre a Lei de Megan, vale a pena conferir o artigo de Daniele Heil e de Alexandre Morais da Rosa e Gabriela Minatto
[3] “Despite wide community support for these laws, there is little evidence to date, including this study,to support a claim that Megan’s Law is effective in reducing either new first-time sex offenses or sexual re-offenses.” (ZGOBA, Kristen. WITT, Philip. DALESSANDRO, Melissa. VEYSEY, Bonita, p.41)
[4] “But unfortunately, the law can’t really do that. Rather, it creates a false sense of security and distracts us from the reality that our children are far more endangered by their friends and family than by strangers with criminal records. The fact is that while notorious cases like Megan’s attract the most attention, far more children are sexually abused by trusted relatives and friends than by lurking strangers.” (PORTER, Jill).
[5] “When people learn the identity of child molesters, the situation can turn dangerous. […] Some sex offenders whose identities were revealed under Megan’s Law have been threatened, physically abused, and forced from their home and employment by neighbors and others.” (FODOR, Margie Druss, p. 72)