RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar o direito fundamental a duração razoável do processo e sua aplicação pelos Tribunais brasileiros. Para tanto, primeiramente, ressalta-se os pensamentos de Franz Kafka a fim demonstrar a situação do acusado/detido durante o tempo da prisão cautelar/processo. Posteriormente, observa-se que o referido princípio é consagrado desde a ratificação do Pacto de San José da Costa Rica e, além disso, estuda-se a aplicação deste pacto no caso Ximenes Lopes versus Brasil. Ainda, avalia-se o processo crime como pena e os entendimentos e consequências acerca da teoria do não-prazo, utilizada pelo ordenamento jurídico pátrio. Ademais, ponderam-se as medidas compensatórias indicadas pela doutrina, principiadas pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) e, por fim, afere-se como a jurisprudência brasileira tem interpretado o limite temporal de dilação que passa a ser indevida e quais as medidas que são aplicadas até o momento, tendo em vista a omissão legislativa. Por fim, percebeu-se que no Brasil há imensa divergência jurisprudencial e doutrinária acerca do tempo para que um processo possa ser considerado razoável, assim como os critérios a serem utilizados para tanto e as medidas compensatórias. Convém ainda anotar que tudo isso se deve a omissão legislativa em padronizar tal situação. O método utilizado foi o indutivo1.
Palavras-chave: Processo Penal. Tempo Razoável. EC n° 45/2004.
INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional de n° 45, realizada no ano de 2004, inseriu no artigo 5°, da Constituição Federal, o inciso LXXVIII, que garante no âmbito administrativo e judicial “a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, isto é, o princípio da duração razoável do processo.
A hermenêutica a ser aplicada no referido dispositivo resulta no entendimento de que o processo não pode ser célere a ponto de prejudicar a reflexão do julgador acerca dos fatos e dos direitos presentes, embora, não possa ser duradouro a fim de arrastar o sofrimento e a angústia experimentados pela vítima e principalmente pelo acusado da conduta delitiva.
Nesse diapasão o presente artigo pretende elucidar o tema, analisando o referido direito fundamental e seus reflexos na realidade brasileira, iniciando com os pensamentos de Franz Kafka. Além disso, será explanado o direito fundamental sobre questão no que tange ao seu respaldo constitucional e a possibilidade de sua aplicação desde 1992, ano em que o Pacto de San José da Costa Rica foi ratificado pelo Brasil. Por fim, abordar-se-á a posição da doutrina e da jurisprudência mais avançada acerca das medidas compensatórias que devem ser atribuídas aos processos vagarosos, assim como, posições de Tribunais e estudiosos internacionais. O método utilizado foi o indutivo.
1 FRANZ KAFKA, O PROCESSO E O DETIDO: REFLEXÕES ACERCA DO TEMA SOB ANÁLISE
O capítulo I do livro O Processo2, escrito por Franz Kafka traz uma importante reflexão acerca da demora judicial e da situação na qual se encontra o detido. Josef K., ao acordar, espera que a senhora Grubach, cozinheira, lhe traga o que comer, visto que era prática habitual da mesma.
Devido à demora, Josef K. percebe que o local no qual se encontrava não era seu dormitório. Sendo assim, toca uma campainha próxima a fim de ter contato com a senhora Grubach, sem perceber, portanto, que se tratava de uma prisão. Ao se deparar com um guarda, este não se identifica deixando Josef K. sem entender nada.
Em momento posterior, ao deparar-se com sua prisão, Josef K. questiona quais os motivos desta, já que nada havia feito. Como resposta o guarda lhe diz que não cabe a ele dar explicações e ordena que Josef K. volte ao quarto e aguarde o processo correr, vez que o mesmo “será informado de tudo na devida altura”.
Ainda, ao ser informado de que o sistema lhe forneceria roupas e, assim, teria que entregar para os guardas os pertences que tinha consigo, frisa-se:
É preferível que o senhor nos entregue as suas coisas a pô-las no depósito ― disseram ― pois lá as coisas levam muitas vezes descaminho e, além disso, passado um certo tempo, vendem-nas, sem quererem saber se o processo referente ao dono delas terminou ou não. E como duram os processos deste género, especialmente há uns tempos para cá!
Nesse cenário, Josef K. ainda não conseguia entender o que acontecia, portanto, requereu que fosse demonstrado a ele o seu “mandado de captura”, assim como o documento de identificação dos guardas. No entanto, não teve seus pedidos atendidos. Como resposta, o guarda afirmou que as autoridades não erram e obedecem estritamente a Lei, por isso, que Josef K. estaria na unidade prisional.
― Não conheço essa Lei ― replicou [Josef] K. […] O guarda, porém, limitou-se a responder friamente: ― O senhor convencer-se-á por experiência própria. Franz meteu-se na conversa e disse: ― Estás a ver, Willem? Ele admite que não conhece a Lei e ao mesmo tempo afirma que está inocente.
A estória contada por Franz Kafka torna-se diariamente história. Pois, embora a Constituição Federal assevere uma vasta quantidade de garantias e direitos fundamentais, acontecimentos que violam tais preceitos não são raros.
Primeiramente, porque a maioria dos acusados não reconhece toda a situação que lhe foi imposta3. Ademais, em diversos casos, a ele é nomeado um defensor público que não tem contato ou que pouco se pronuncia durante o processo, agravando ainda mais o acesso à justiça do mesmo.
Isso somado a demora não razoável do processo crime, fazendo com que suposto agente tenha contato com o Magistrado somente quando da audiência de instrução e julgamento, muito tempo após o mesmo estar preso de forma cautelar, v.g., ou, em caso de réu solto, aguardar angustiadamente o deslinde da ação penal.
Assim, o direito de acesso à justiça do acusado fica restrito até a audiência de instrução e julgamento, quando se tem o mínimo de humanização para o mesmo, a fim que o Magistrado possa ouvi-lo.
2 O RESPALDO CONSTITUCIONAL DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO
Embora no presente artigo, a título introdutório, seja citada a EC 45/04 como norte do direito a duração razoável do processo, desde a Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em setembro de 1992, já era possível aplicar tal garantia. Isso porque o artigo 5º, parágrafo segundo, da CRFB/88, prevê que os “direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República seja parte”.
Ainda, foi incluído no artigo supramencionado o parágrafo terceiro, o qual atribui aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos o status constitucional, sendo equivalente às emendas constitucionais4. Visto que para sua ratificação pelo Congresso Nacional, necessário se faz o mesmo quórum e forma de votação destas.
Portanto, o Pacto de San José da Costa Rica, como também chamada a Convenção Americana supracitada, já assegurava em seu artigo 8.1 que
toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determine seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Por fim, percebe-se que, embora a Convenção Americana de Direitos Humanos e a Constituição Federal assegurem um prazo razoável para a duração dos processos, respeitando as regras do devido processo legal, as mesmas foram omissas ao fixar prazos máximos e mínimos para que o julgador possa usar como parâmetro ao aplicar esta garantia ao caso concreto. Da mesma forma, o novo dispositivo adicionado ao artigo 5° da CRFB/88, não delegou à lei ordinária a regulamentação desta matéria. 5
Dessa forma, ante a ausência de fixação de um limite temporal pelo legislador, fica a critério subjetivo do julgador se houve ou não rapidez ou demora que exorbite “o razoável” para que assim, seja aplicada uma medida compensatória ao acusado, esta também de forma discricionária, tema que será melhor explanado nos próximos tópicos.
2.1 Caso Ximenes Lopes versus Brasil: a atuação da Corte Interamericana de Direito Humanos
Damião Ximenes Lopes, um dos filhos de Albertina Ximenes Lopes, começou a apresentar sinais de debilidade mental na adolescência, devido a crises psiquiátricas recorrentes. Com o tempo, tais crises tornaram-se constantes, fazendo com que Dona Albertina, em 1995, internasse-o na Casa de Repouso de Guararapes, na cidade de Sobral, no Estado do Ceará. 6
A partir da primeira internação, Damião iniciou o uso permanente de medicamentos e, nas dentre as idas e vindas da clínica para a sua residência sempre se queixava dos maus tratos que ocorriam naquela. Devido a isto, a família decidiu não mais interna-lo.
Ocorre que, por ser a única clínica próxima da cidade, quando das fortes crises de Damião, a família não tinha outro estabelecimento para recorrer. No entanto, mesmo que momentaneamente a situação crítica de Damião diminuísse, sempre que o mesmo retornava para sua casa, após a internação, estava em pior estado.
No ano de 1999, ao visitar a clínica, Dona Albertina foi impedida de ver Damião. Esta, já ciente da possibilidade de seu filho não ter sido bem cuidado, começou a gritar pelo seu nome. Após isto, Damião aparece “cambaleando, com as mãos amarradas para trás, roupa toda rasgada, a mostrar a cueca, corpo sujo de sangue, fedia a urina e sangue podre. Nas fossas nasais balões de sangue coagulando. Rosto e corpo apresentavam sinais de ter sido impiedosamente espancado.”
O médico responsável pela clínica chamava-se Ivo, este sequer preocupou-se em examinar o paciente, prescrevendo-lhe, somente, um medicamento injetável. Após isso, Dona Albertina retornou para casa, já que pelo estado debilitado do seu filho, não tinha como retirá-lo do referido estabelecimento.
Acontece que, ao chegar em sua residência, 72 km de Sobral, Dona Albertina foi informada que a clínica requisitou sua presença urgente. Isso porque Damião veio a óbito neste dia e, segundo o médico da clínica, havia sido morte natural, devido a parada cardiorrespiratória.
Ao procurar as autoridades policiais na cidade a fim de relatar o ocorrido, Dona Albertina percebeu que o mesmo médico responsável pela clínica e, logo, pelo laudo anterior, Dr. Ivo, era o responsável pelo laudo, na polícia. Sendo assim, o corpo foi enviado para o Instituto Médico Legal de Fortaleza, do qual adveio o resultado da morte “indeterminada e sem elementos para responder”.
Perplexa diante de toda a situação, a família procurou denunciar o fato de todas as formas possíveis, incluindo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos7, contra o Brasil, devido a violação do direito à vida, à integridade pessoa, à proteção da honra e dignidade de Damião e o direito a dupla jurisdição.
Após isso, a Comissão abriu o prazo de 90 dias para que o Brasil respondesse tal acusação.8 No entanto, o Estado brasileiro quedou-se inerte, fazendo com que a Comissão aprovasse a denúncia e, ao final do processo, condenasse o Brasil a reparar os danos nos seguintes termos: o valor de 125 mil dólares deveria ser pago como compensação financeira à família de Damião e a título de ressarcimento de despesas processuais, o país foi condenado a mais 10 mil dólares. Os valores mencionados deveriam ser pagos em um ano, contados da intimação da sentença, sendo que era totalmente proibido a incidência de impostos de qualquer natureza no referido montante e, por fim, em caso de atraso, cobrar-se-ia juros moratórios bancários.9 10
3 APONTAMENTOS ACERCA DO CONCEITO E EXTENSÃO DA RAZOABILIDADE DO PRAZO
3.1 Do tempo e do processo crime como pena
Sabe-se que o tempo é relativo à posição e velocidade de quem o observa, desde os descobrimentos de Albert Einstein11. Já que dependendo da circunstância e do local onde se encontra uma pessoa tem-se uma sensação de que o tempo passa mais rápido ou mais devagar, portanto, cada ser tem uma noção distinta de tempo, isto é, o período de um ano pode ser sentido de forma diferente por cada pessoa.
No Direito, principalmente na área criminal, o tempo é o principal regulador do poder/dever do Estado punir, tendo em vista que o passar do tempo faz precluir a pretensão punitiva deste, ficando impossibilitado de processar e finalmente aplicar a sanção devida. Ademais, a pena imposta pelo Estado, ao término do processo e, em sendo sentença condenatória, também é mediada pelo tempo. “Pune-se através da quantidade de tempo e permite-se que o tempo substitua apena. No primeiro caso, é o tempo do castigo; no segundo, o tempo do perdão e da prescrição”.12
Castigo, pois, o processo penal em si é uma pena. Não há dúvidas de que em grande parte dos processos criminais não se teme a pena, mas a situação do indivíduo perante a sociedade, no que tange “a sua honra irreparavelmente ofendida, mas também as condições e perspectivas de vida e de trabalho; e se hoje pode-se falar de um valor simbólico do direito penal, ele deve ser associado não tanto à pena, mas, verdadeiramente, ao processo e mais exatamente à acusação.”13
Além disso, segundo o entendimento de Décio Alonso Gomes, ao delongar-se, o processo viola a garantia de liberdade pessoal, “que não pode ser encarado apenas sob o prisma da liberdade de locomoção, mas deve ser expandido para a ideia de ausência de restrições de qualquer natureza – sociais, econômicas, afetivas etc. – provocadas por força da instauração dos processos”14. Portanto, segundo o princípio do in dubio pro reo, é obrigação do Estado visualizar o acusado como inocente e, por isso, “não se justifica que se dedique um período de tempo ilimitado (ou por demais extenso) à solução dos assuntos de índole criminal.”15
E por ser o processo uma pena, deve-se não somente dar relevância ao acusado preso em medida cautelar, pois embora menos grave, o réu solto também recebe uma pena antecipada até o deslinde da ação penal. Nesse norte, coaduna Luis Gustavo Grandinetti Carvalho16 ao afirmar que “a celeridade não pode ser unicamente deferida a réus presos. Os réus soltos também têm o direito de não ficar vinculados indefinidamente a um processo criminal”.
Dessa forma, a demora do processo acaba por estigmatizar o réu perante a sociedade, caracterizando-se uma dupla punição do acusado pelo Estado. E, é por isso, que grande parte da doutrina afirma ser uma violação a diversos princípios fundamentais basilares do processo penal, portanto, a demora retira a legitimidade do Estado punir.
3.2 O Direito Processual Penal Brasileiro e a teoria do não-prazo
Quanto a demora do Estado para processar o acusado, o Direito brasileiro adotou a doutrina do não-prazo, conforme breves explanações feitas anteriormente. Nesta, o julgador tem total discricionariedade acerca dos limites mínimos e máximos que entende ser razoável em cada caso concreto.
Ressalta-se que há dispositivos no Código Penal, dos quais se aferem diversos limites de tempo para que sejam cumpridos os atos processuais, no entanto, não há qualquer sanção para seu descumprimento, logo, são ineficazes.17 Como, por exemplo, o artigo 400 do Código de Processo Penal.
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. (grifo nosso).
Ao deparar-se com a demora dos Estados, adeptos a teoria do não-prazo, em julgar as demandas judiciais, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) adotou critérios, não menos discricionários sic, para serem utilizados como referencial para estabelecer a dilação indevida do processo, quais sejam, a complexidade do processo; o comportamento da parte lesada; o comportamento das autoridades envolvidas no processo; o interesse em jogo para o demandante da situação.18 Tais critérios também. vêm sendo utilizados pela Corte Americana de Direitos Humanos (CADH).
Apesar de os critérios acima serem os mais utilizados a fim de limitar a discricionariedade do magistrado no caso concreto, é importante ressaltar que em 1968, antes de seres estabelecidos, a Comissão Europeia
[…] sugeriu que a razoabilidade da prisão cautelar (e consequente dilação indevida do processo) fosse aferida considerando-se: a) a duração da prisão cautelar; b) a duração da prisão cautelar em relação à natureza do delito, à pena fixada e a provável pena a ser aplicada em caso de condenação; c) os efeitos pessoais que o imputado sofreu, tanto de ordem material como moral ou outros; d) a influência da conduta do imputado em relação à demora do processo; e) as dificuldades para a investigação do caso (complexidade dos fatos, quantidade de testemunhas e réus, dificuldades probatórias etc.); f) a maneira como a investigação foi produzida; g) a conduta das autoridades judiciais.19
Observa-se, contudo, que apesar dos nortes acima, a doutrina brasileira critica a falta de um prazo determinado por lei para cumprir os atos processuais. Isso porque o acusado tem o direito de saber a medida exata de tempo que durará o processo, e ainda, antecipadamente.20 E esse direito de qualquer pessoa saber a duração de um processo crime deriva do próprio Estado Democrático de direito.21
Observa-se ainda, que a Lei 12.850, a qual dispôs sobre organização criminosa acrescentou no parágrafo único do artigo 2222 dois critérios que são utilizados pela jurisprudência brasileira, quais sejam a complexidade da causa ou fato procrastinatório atribuível ao réu, a fim de denegar pedidos embasados na dilação indevida ou mesmo na própria morosidade do Poder Judiciário.
Como disto, ao analisar o processo como pena, Beccaria já havia concluído que esta deve ser pública; pronta (no caso, qualquer pessoa tem direito de saber o tempo que levará para ser processada); necessária (penso que deve-se inicialmente refletir acerca da necessidade da existência do processo crime, em cada caso concreto, tendo em vista os princípios que regem o processo penal, principalmente o da insignificância, pois, por outro lado, o processo penal sempre é um meio necessário para a pena); a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas; proporcionada ao delito; (nestas, o processo deve durar de forma razoável, no menor tempo possível, respeitando o devido processo legal e o tempo de reflexão da autoridade judicial acerca dos fatos e dos direitos, a fim de diminuir os efeitos causados pelo processo crime ao acusado); e determinada pela lei.23
4 A NECESSIDADE DE MEDIDAS COMPENSATÓRIAS COMO FORMA DE SANÇÃO PELA MORA
Não somente os critérios para aferir se a duração do processo, no caso concreto, é razoável ou não, criados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), são utilizados como norte em várias partes do mundo. Da mesma forma, tal Tribunal principiou no que tange as medidas compensatórias em caso de descumprimento ao princípio da razoável duração do processo.
Daniel R. Pastor24 e Aury Lopes Jr.25, são os doutrinadores que principiam os estudos acerca das medidas compensatórias, dividem em três soluções, quais sejam, soluções compensatórias, soluções processuais e soluções sancionatórias.
A primeira solução pode ser de natureza cível ou penal, aquela se resolve por meio de indenizações de danos morais e/ou materiais pela demora processual ou pelo tempo em que o acusado passou em prisão preventiva devido à mora. Já a compensação penal pode ser realizada, por exemplo, mediante o artigo 66 do Código Penal, aplicando ao caso a atenuante inominada; suspender a execução; conceder graça, indulto ou perdão judicial, nos casos em que há possibilidade, tendo em vista que a demora processual atingiu o acusado de maneira tão grave que não mais necessita de sanção penal.
Ainda, os autores reconhecem que é possível a responsabilidade legislativa, pela omissão acerca do tema, tendo em vista a Convenção Americana de Direitos Humanos, que, como já exposto no presente artigo, foi ratificada e incorporada ao ordenamento jurídico pátrio com valor de norma supralegal.
Posteriormente, a solução pode ser processual, aplicando-se a extinção do feito, “é a solução mais adequada em termos processuais, na medida em que, reconhecida a ilegitimidade do poder punitivo pela própria desídia do Estado, o processo deve findar.”26 É necessário salientar que tal solução encontra grande resistência nacional e já foi incorporada em ordenamentos jurídicos estrangeiros.
Por fim, denomina-se de soluções sancionatórias, uma penalidade atribuída aos servidores que foram responsáveis pela mora processual. Neste, inclui-se o Direito Administrativo, Civil ou até mesmo Penal.
Necessário, portanto, incluir no ordenamento jurídico pátrio sanções/soluções como medidas compensatórias pela demora processual, a fim de coibir o Estado, assim como os seus agentes, de violar diversos direitos e princípios fundamentais quando da dilação processual indevida.
5 O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS
Neste tópico busca-se estudar como o Brasil ter aferido o limite de tempo que perfaz o razoável a fim de garantir o direito constitucionalmente estabelecido e, em caso de dilação indevida quais as medidas compensatórias aplicadas, tendo em vista que tanto a primeira quanto esta são de total discricionariedade da autoridade judicial.
Inicia-se, portanto, com a análise dos casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou o critério da natureza, suposta prática de tráfico de entorpecentes, e complexidade do caso para denegar o habeas corpus n° 116.44727, em 2013. O Acusado encontrava-se em prisão cautelar e a autoridade coatora era o Superior Tribunal de Justiça (STJ), tendo em vista o período de 6 (seis) meses.
Já no HC n° 16.13328, o STF apesar de reconhecer a demora, utilizou-se do critério da contribuição da defesa, da mesma forma, denegando-o. Neste caso, o fato ocorreu em 24 maio de 2008, a prisão preventiva em 11 de junho de 2008, a denúncia em 30 de junho de 2008 e o Tribunal do Júri foi marcado para 20 de junho de 2013.
Ainda, no habeas corpus 124.19429, impetrado no STF, este deu provimento ao recurso por inércia do Tribunal de Justiça do Ceará, visto que o réu encontrava-se recluso há mais de sete anos, caracterizando-se, portanto, o constrangimento ilegal pela demora da prestação jurisdicional.
Em última análise da jurisprudência da Corte Suprema, o HC n°120.15230 também foi concedido pelo abuso da autoridade coatora, que no caso era o STJ, pois pendia julgamento desde o ano de 2008 e a data da análise do habeas corpus foi 04 de fevereiro de 2014, sendo assim, caracterizada está a dilação indevida, segundo Ministra Relatora Cármen Lúcia.
Já o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o HC n° 163.741, afirmou que a concessão de habeas corpus em razão de excesso de prazo é uma medida excepcional, somente possível se ocorrer por dilações derivadas exclusivamente de diligências pleiteadas pela acusação; caso seja consequência da inércia do próprio Poder Judiciário, em razão do princípio da razoável duração do processo; ou, ainda, caso viole o princípio da razoabilidade.31 No caso, o Tribunal Superior entendeu ser razoável a prisão preventiva de 1 ano e 07 meses, devido a complexidade do caso, qual seja tráfico de entorpecentes com a totalidade de trinta e cinco réus.
Em decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o Magistrado determinou a soltura do réu, em prisão preventiva por dois meses e meio, nos seguintes termos:
Encontra-se segregado provisoriamente assim há mais de dois meses e meio, sendo que o feito não pôde ter a instrução encerrada nesta data, muito menos julgado. E isso porque o defensor dativo nomeado à fl.43, pessoalmente intimado (fl.72) não compareceu, sem comunicação da eventual justificativa. A demora no trâmite não pode ser atribuída ao réu e vilipendia de forma acentuada o fundamento republicano e democrático da dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF), cujo princípio não há o que se tergiversar. Por outro lado, é preciso registrar que a situação não é rara e não poucas vezes defensores dativos tem faltado em atos judiciais, prejudicando sobremaneira o exercício constitucionalmente consagrado da ampla defesa (art.5º, LV, da CF), sucedâneo do devido processo legal (art.5º, LIV, da CF). […] A falta de defensoria pública em Santa Catarina vem trazendo situações tão sérias e irracionais que mais parece O Processo de Kafka se apresentando, no seu tresloucado enredo, tendo como protagonista o réu, indefeso. Destarte, necessário reconhecer o excesso de prazo. […] Uma vez configurado o excesso de prazo da preventiva, cabe afastá-la, evitando-se com isso verdadeira transformação em cumprimento precoce de pena”32
No mesmo norte, a Quinta Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no Recurso em Sentido Estrito n° 2013.051.00073, entendeu pelo provimento do recurso a fim de extinguir a punibilidade tendo em vista que o processo contra o réu ocorria há 14 anos, ressaltando-se que o réu respondia em liberdade. Afirma o Desembargador Relator Geraldo Prado: “sob outro enfoque, se o Estado chama para si o poder de infligir a pena, então ele deve exercê-lo dentro dos limites que a sociedade lhe impôs. Não pode se apoderar, como tem feito, do tempo do particular. Se o fizer, abre mão do tempo como pena”.33
Diante dos casos apresentados percebe-se claramente o grande poder discricionário que tem o magistrado ao analisar o caso concreto, visto que não há regras quanto ao limite de tempo e a medida compensatória a ser aplicada. Embora, ainda no Superior Tribunal de Justiça utilizou-se praticamente os mesmos critérios, acima indicados, estes também permitem um amplo posicionamento da autoridade judicial sobre “o que é mais justo a ser aplicado no caso”.34
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após analisar Franz Kafka, o tempo, a situação do delito e a aplicabilidade da garantia da duração razoável do processo, assim como, da crítica dos estudiosos acerca do tema, pôde-se perceber que apesar de a garantia advinda do Pacto de San José da Costa Rica, ser reforçada pela EC n° 45/2004, não há parâmetro temporal para que o magistrado possa decidir.
Sendo assim, cada autoridade judicial acaba aplicando o que entende ser justo ao caso concreto, ficando o detido ou o acusado, muitas vezes sem entender o que acontece durante todo o tempo em que o mesmo se arrasta.
Portanto, tem-se uma autoridade judicial, muito longe das condições sociais e econômicas do detido ou acusado, decidindo o tempo que este permanecerá respondendo um processo ou presto cautelarmente, antes mesmo do acusado ser condenado e realmente considerado culpado, segundo seu livre convencimento.
Ora, medida mais acertada teve o desembargador Geraldo Prado, do TJRJ, ao extinguir a punibilidade do acusado, o qual respondia um processo por catorze anos. Só pode afirmar que isto não é uma pena antecipada, frisa-se antes mesmo de o réu ser condenado sic, quem nunca vislumbrou o decorrer de um processo crime.
NOTAS DE RODAPÉ:
1 O Método Indutivo é, na condição de base lógica da Pesquisa, o de menor complexidade, uma vez que nele se opera com coleta de elementos que são reunidos e concatenados para caracterizar o Tema pesquisado. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 12.ed. São Paulo: Conceito, 2011, p. 92.
2 KAFKA, Franz. O processo. Rio de Janeiro: Globo, 2003.
3 ROSA. Alexandre Morais da. Duração razoável do processo sem contrapartida é como promessa de amor. Consultor Jurídico (Conjur). 18 jul. 2014. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-jul-18/limite-penal-duracao-razoavel-contrapartida-igual-prometer-amor>. Acesso em: 09 jul. 2015.
4 É necessário frisar que os tratados internacionais e convenções têm valor equivalente à emenda constitucional, no sentido de análogo ou assemelhar-se. O STF entendeu que as normas internacionais advindas de tratados e convenções teriam valor de norma supralegal, isto é, estariam abaixo da Constituição Federal e acima das leis ordinárias.
5 Acerca do tema, importante relembrar os pensamentos de Beccaria: As leis, porém, devem fixar um certo prazo de tempo, tanto para a defesa do réu como para as provas dos delitos, e o juiz se tornaria legislador se caso decidisse sobre o tempo necessário para a prova do delito. […] Nos delitos menores e obscuros, entretanto, a prescrição deve pôr fim à incerteza do cidadão quanto à sua sorte, pois a obscuridade envolvendo por muito tempo os delitos, anula o exemplo da impunidade, deixando, entretanto, ao réu, a possibilidade de redimir-se. In Dos delitos e das penas. Tradução: Cretella Jr. e Agnes Cretella. 3.ed. São Paulo: RT, 2006, p.102.
6 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Caso Ximenes Lopes versus Brasil. 04 jul. 2006. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_149_por.pdf>. Acesso em: 09 jul. 2015.
7 UNIVERSITY OF MINNESOTA. Damião Ximenes Lopes v. Brasil, Caso 12.237, Informe No. 38/02. Human Rights Library. 09 out. 2002. Disponível em: <http://www1.umn.edu/humanrts/cases/S38-02.html>. Acesso em: 09 jul.2015.
8 El 14 de febrero de 2000 la Comisión recibió la petición de la denunciante, en la que informaba que hasta la fecha las autoridades locales no habían tomado providencia alguna sobre el caso y daba cuenta que otro paciente. […] Sr. Adauto, paciente que fue citado en el Registro de la Casa de Repouso como víctima de agresión por los enfermeros de la referida Casa de Repouso. La peticionaria no aportó ningún dato que pudiera identificar a la víctima, aparte de su nombre de pila. COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Informe n° 38/02. Organización de los Estados Americanos. Disponível em: < http://cidh.org/annualrep/2002sp/Brasil.12237.htm#_ftnref1>. Acesso em: 07 jul. 2015.
9 Necessário ressaltar que o país adimpliu com tal obrigação, no ano de 2007, representando um grande avanço para a aplicação do Pacto de San Jose da Costa Rica no âmbito nacional.
10 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Damiao Ximenes Lópes. Organization of American States. 23 dez. 2005. Disponível em <http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/ximenes/agescidh.pdf>. Acesso em: 08 jul.2015.
11 “quando um homem se senta ao lado de uma moça bonita, durante uma hora, tem a impressão de que passou apenas um minuto. Deixe-o sentar-se sobre um fogão quente durante um minuto somente – e esse minuto lhe parecerá mais comprido que uma hora. – Isso é relatividade”. In LOPES JÚNIOR. Aury apud EINSTEIN, Albert. O tempo como pena processual: em busca do direito de ser julgado em um prazo razoável. Âmbito Jurídico. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=458#_ftn7>. Acesso em: 01 jul. 2015.
12 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 72.
13 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 588.
14 GOMES, Décio Alonso. (Des) Aceleração processual: abordagens sobre dromologia na busca do tempo razoável do processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 105
15 Ibidem.
16 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. Processo Penal e Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 227.
17 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 77.
18 KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A razoável duração do processo. 2.ed. Bahia: Juspodium, 2013, p.91.
19 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 78
20 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 113
21 O dever legal de se fixar por lei o prazo de duração razoável da relação jurídica deriva da própria natureza do Estado Democrático de Direito. Assim, somente após a manifestação dos representantes do povo, e em obediência aos princípios da legalidade e do devido processo legal se estará dando integral cumprimento ao estabelecido no diploma de direitos humanos. In CASARA, Rubens; VASSAL, Mylène G. P. O ônus do tempo no processamento: uma abordagem à luz do devido processo legal interamericano. Movimento da Magistratura Fluminense pela Democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 127-128.
22 A instrução criminal deverá ser encerrada em prazo razoável, o qual não poderá exceder a 120 (cento e vinte) dias quando o réu estiver preso, prorrogáveis em até igual período, por decisão fundamentada, devidamente motivada pela complexidade da causa ou por fato procrastinatório atribuível ao réu.
23 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: Paulo M. Oliveira. 13. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999, p. 133.
24 Ibidem.
25 LOPES JÚNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. Ainda, LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. E, LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
26 LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 86.
27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 116.447. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4351730> . Acesso em: 09 jul. 2015.
28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 116.113. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4340472>. Acesso em: 09 jul. 2015.
29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 124.194. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4633567>. Acesso em: 09 jul. 2015.
30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 120.152. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4494081>. Acesso em: 09 jul. 2015
31 No mesmo norte é o HC n° 160.276; 143.335; 149.110.
32 BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Ação Criminal n° 0004761-05.2009.8.24.0038. Disponível em: < http://esaj.tjsc.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=12000BX2T0000&processo.foro=38> . Acesso em: 05 jul. 2015.
33 ITO, Marina. Estado abre mão de punir quando demora a julgar. Consultor Jurídico (Conjur). 22 ago. 2010. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-ago-22/estado-abre-mao-punir-quando-demora-julgar-desembargador>. Acesso em: 09 jul. 2015.
34 STRECK, Lênio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência?. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.87