No dia 16/2/2021 o Min. Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, com fundamento no art. 53, § 2º, da Constituição Federal de 1988, determinou a prisão em flagrante do Deputado Federal Daniel Silveira nos autos do Inquérito n. 4.781/DF.
A motivação teve origem em um vídeo publicado pelo agente político na rede social youtube, que teria causado, em tese, ofensa aos princípios democráticos, republicanos e da separação de poderes, nesses termos: a) ataque frontal “aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio de diversas ameaças e ofensas à honra”; b) propagação da “adoção de medidas antidemocráticas” contra a Corte Suprema, defendendo, inclusive, o AI-5; c) defesa da “substituição imediata de todos os Ministros”; e d) instigação da “adoção de medidas violentas contra a vida e segurança” dos membros da Corte Suprema (Inquérito n. 4.781/DF).
Segundo o Min. Alexandre de Moraes, o parlamentar teria praticado diversos crimes previstos na Lei n. 7.170/1973 (arts. 17, 18, 22, incisos I e IV, 23, incisos I, II e IV e 26), inafiançáveis de acordo com o art. 5º, XLIV, da CF/1988.
Mas, como “para cada ação existe uma reação”, poucos dias após a prisão do Deputado, o Poder Legislativo Nacional apresentou a Proposta de Emenda à Constituição n. 3/2021, conhecida como “PEC da Imunidade”, visando alterar a CF/1988 e, na prática, tornar quase impossível a prisão em flagrante de parlamentar.
Sem enveredar pelo mérito da decisão judicial e da constitucionalidade e moralidade da proposta legislativa, não há dúvida de que estamos diante do efeito blacklash, cuja tradução literal é “repercussão, folga, sacudidela”.
Tal efeito ocorre quando o Poder Legislativo, impulsionado pela reação da sociedade ou por estar inconformado com determinadas decisões judiciais, edita leis ou emendas à Constituição Federal com o objetivo de esvaziar ou alterar provimento emanado do Poder Judiciário que versa sobre tema divergente ou que possui vertente ideológica polarizada.
Sobre o efeito blacklash, George Marmelstein prescreve:
“O backlash é uma reação adversa não-desejada à atuação judicial. Para ser mais preciso, é, literalmente, um contra-ataque político ao resultado de uma deliberação judicial.
Tal contra-ataque manifesta-se por meio de determinadas formas de retaliação, que podem ocorrer em várias ‘frentes’: a revisão legislativa de decisões controversas; a interferência política no processo de preenchimento das vagas nos tribunais e nas garantias inerentes ao cargo, com vistas a assegurar a indicação de juízes ‘obedientes’ e/ou bloquear a indicação de juízes ‘indesejáveis’; tentativas de se ‘preencher o tribunal’ (‘court-packing’) por parte dos detentores do poder político; aplicação de sanções disciplinares, impeachment ou remoção de juízes ‘inadequados’ ou ‘hiperativos’; introdução de restrições à jurisdição dos tribunais, ou a ‘poda’ dos poderes de controle de constitucionalidade.” (Marmelstein, George. Curso de direitos fundamentais. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 3).
Marianna Montebello Willeman, ao analisar o tema, conceitua o citado efeito “como o movimento de intensa reprovação ou rejeição de uma decisão judicial, acompanhado da adoção de medidas de resistência tendentes a minimizar ou a retirar sua carga de efetividade.” (Constitucionalismo democrático, backlash e resposta legislativa em matéria constitucional no Brasil. Disponível em . Acesso em 28/2/2021).
Essa retaliação político-jurídica, no entanto, não impede que a nova norma jurídica seja analisada pelo Poder Judiciário mediante provocação, a fim de aferir a sua validade, em razão do que dispõe o art. 5º, XXXIV, ‘a’, e XXXV, da CF/1988.
No mais, embora o efeito blacklash, sob certo ponto de vista, possa colocar em risco a segurança jurídica, pois “contesta” decisões do Poder Judiciário, órgão responsável por zelar pela aplicação correta da legislação e pela concretização das garantias fundamentais e dos direitos previstos na Carta Magna, necessário ressaltar que ele é uma materialização do Estado Democrático de Direito, princípio fundamental.